Às vezes você ingere uma pequena dose de bebida alcoólica (um copo de chope ou cerveja, ou uma taça de vinho), enfim nada que perturbe o seu costumeiro estado de perfeita sobriedade. Então pega o seu carro e passa a dirigi-lo tranquilamente rumo ao seu destino. De repente, num ponto qualquer, a surpresa: uma blitz policial! Vários guardas e viaturas, e a ordem para parar e estacionar. Logo após, um dos policiais solicita a sua documentação (pessoal e do veículo), aproxima de você um equipamento que acusa positivamente a sua ingestão de bebida alcoólica, e por fim lhe faz a pergunta fatal: –– Você aceita fazer o teste do bafômetro?

Num lapso de tempo você raciocina. Se ingeriu bebida alcoólica, em pequena quantidade e já há algum tempo, o resultado pode ser negativo; mas sabe-se que o teste é muito rigoroso com relação à quantidade mínima, e pode resultar positivo, com seriíssimas consequências: sua responsabilização pelo cometimento de infração gravíssima ao Código de Trânsito Brasileiro – CTB – Lei 9.503, de 23/09/1997, em processo administrativo, que já principia ali com a notificação de autuação por infração, a resultar em multa pesadíssima: 10 vezes o valor mínimo (R$ 293,47), totalizando R$ 2.934,70, e, o que é pior: com a provável suspensão do direito de dirigir por 12 meses!

Então você opta por se recusar ao teste toxicológico (apresentando e autorizando outra pessoa habilitada a retirar e dirigir o seu veículo), ficando no aguardo do processo administrativo, na expectativa de poder comprovar que, por ocasião do ato de fiscalização policial a que foi submetido, estava em perfeito estado de sobriedade e inteiramente apto a dirigir o seu veículo. Ao fim daquela inspeção, o policial informa que o seu processo administrativo está sendo iniciado, com a sua autuação de infração por simplesmente se recusar ao teste do bafômetro!

Há que se prevenir que tal processamento é longo e nele as suas possibilidades de êxito são duvidosas. Mas é básico e preparatório a um eventual posterior ajuizamento de ação judicial contra o órgão autuador da infração de trânsito (que também tem um longo processamento), onde as suas chances de sucesso são bem maiores!

1 – CTB – Lei 9.503/1997 e histórico do crescente rigor da “Lei Seca”

Diante do aumento dos acidentes de trânsito causados por condutores de veículos em estado de embriaguez, o combate à infração por condução de veículo sob influência de álcool ou substância psicoativa foi revigorado com a edição do CTB, cujo artigo 165 prescreve a infração: Dirigir sob influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.”  

Ao mesmo Código foram sendo introduzidos novos artigos, com destaque para o art. 165-A, verbis:- Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277.”

Além de novos artigos, também ocorreram inclusões de incisos e parágrafos, e alterações nas redações originais de diversos artigos, dando corpo àquela que poderia consubstanciar uma “Lei Seca”, merecendo destaque os seguintes dispositivos do citado CTB:- Art. 277, caput, §§ 2º e 3º; Art. 306, caput; § 1º, incisos I e II; e § 2º.

2 –– “Resolução CONTRAN nº 432 –– 23/01/2013”

Bem assim, órgãos especificamente ligados à operacionalização e legislação do trânsito no Brasil editaram normas específicas, coadjuvantes àquelas do CTB, como o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, que editou a Resolução acima, em que estão estabelecidos os procedimentos a serem adotados pelas autoridades e agentes policiais na fiscalização e combate ao consumo de álcool ou substância psicoativa que determine dependência no condutor do veículo, com destaque para os seguintes artigos da supra citada Resolução, verbis:- Art. 3º, caput, e inciso IV; Art. 5º, caput, e inciso II,  §§ 1º e 2º; Art. 8º, caput, e inciso II.

Merece destaque especialíssimo o fato de que os dispositivos contidos no CTB (vide anterior tópico “1”), bem como os supra mencionados –– constantes da Resolução CONTRAN 432/2013 ––, realçam que, na fiscalização de condutores de veículos para apuração de infração de influência de álcool ou substância psicoativa, o teste do etilômetro/bafômetro está longe de ser único ou preponderante em tal abordagem, podendo mesmo ser substituído por outros meios, expressamente citados e indicados por tais dispositivos, dentre os quais sobressai fortemente a verificação dos SINAIS de Alteração da Capacidade Psicomotora eventualmente evidenciados pelos condutores durante a fiscalização (adiante comentados no tópico “3”) constantes do Anexo II da referida Resolução, abaixo transcrito:-

“Anexo II da Resolução Contran nº 432/2013”

“SINAIS de Alteração da Capacidade Psicomotora”

  1. a) Quanto à aparência, se o condutor apresenta: i – Sonolência; ii – Olhos vermelhos; iii – Vômito; iv – Soluços; v – Desordem nas vestes; vi – Odor de álcool no hálito;
  2. b) Quanto à atitude, se o condutor apresenta: i – Agressividade; ii – Arrogância; -.-.-iii – Exaltação; iv – Ironia; v – Falante; vi – Dispersão;
  3. c) Quanto à orientação, se o condutor: i – sabe onde está; ii – sabe a data e a hora;
  4. d) Quanto à memória, se o condutor: i – sabe seu endereço; ii – lembra dos atos cometidos;
  5. e) Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta: i – dificuldade no equilíbrio; ii – fala alterada.

3 –– Processo Administrativo –– Três Etapas

Recebida a “Notificação de Autuação por Infração à Legislação de Trânsito”, onde está lavrado o “auto de infração” –– configurando in casu a recusa ao teste do bafômetro/etilômetro (artigo 165–A  do CTB) por condução de veículo sob influência de álcool ou substância psicoativa (arts. 165 e 277 do CTB) ––, o infrator passa a ter o prazo de 30 dias para apresentar a sua “Defesa Prévia” à Comissão Julgadora, que constitui a Etapa do Processo Administrativo. Nela, o infrator/defensor deve verificar e alegar a existência de erros formais na autuação (inconsistência/ irregularidade/ descumprimento das normas de trânsito, ou se a notificação de autuação foi expedida dentro do prazo de 30 dias contados da data do registro da infração (CTB – art. 281).

Ressalte-se, por oportuno e ultra relevante, que no ato da fiscalização em uma blitz policial de trânsito, o suposto infrator já é surpreendido com equipamento que lhe é aproximado para acusar a ingestão de bebida alcoólica e imediatamente após é arguido se aceita realizar o teste do bafômetro, sendo que normalmente NÃO há procedimento de qualquer outro meio para constatação de eventual alteração da sua capacidade psicomotora! Ou seja: o Agente da Autoridade de Trânsito se limita a fazer o teste do bafômetro no suposto infrator; OU não o faz –– em razão de recusa por parte do condutor do veículo ––, porém irregularmente não procede à constatação/verificação dos Sinais de Alteração da Capacidade Psicomotora do Condutor, como expressamente prescrevem os dispositivos ora citados!

Mais ainda: no Auto de Infração ou “Notificação de Autuação por Infração” geralmente não consta qualquer descrição dos SINAIS de alteração da capacidade psicomotora do Condutor e nenhum termo específico com informações mínimas sobre o seu estado e/ou alteração de sua capacidade psicomotora, preconizadas pelo Anexo II da citada Resolução CONTRAN nº 432/2013 (já aqui transcrito)!!!

In fine: o ato da fiscalização pela Autoridade de Trânsito, e a consequente “Notificação de Autuação por Infração à Legislação de Trânsito”, ficam circunscritos pura e simplesmente à recusa do Condutor ao exame toxicológico de sua capacidade psicomotora via etilômetro/bafômetro (art. 165–A do CTB)! Não resta comprovado o seu suposto estado de alcoolemia, sendo simplesmente deduzido que ele estava dirigindo em tal estado e aí teria cometido a infração prescrita pelo anterior artigo 165 do CTB!!!

As alegações acima podem e devem ser produzidas desde a “Defesa Prévia”, e ser reiteradas nas etapas seguintes –– Recursos Administrativos de Instância para a  “JARI” e de Instância para o CONTRAN / CETRAN / DETRAN  ––, eis que demonstram, através da própria legislação de trânsito, que a Autuação por Infração e/ou as subsequentes Notificações de Imposição de Penalidades são indevidas!

 Se a Defesa Prévia for indeferida, a multa e a suspensão do direito de dirigir serão impostas pelo órgão autuador (infrator deve receber a “NIP – Notificação de Imposição de Penalidade” em seu endereço residencial). O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 do CTB (dentre as quais a multa e a suspensão do direito de dirigir) é de 180 dias, ou, se houver interposição de Defesa Prévia, é de 360 dias, contados, no caso de multa, a partir da data do cometimento da infração; ou, no caso de suspensão do direito de dirigir, a partir da conclusão do processo administrativo da penalidade que lhe der causa (CTB – art. 282, § 6º, incisos I e II). Para o infrator autuado por infração e/ou notificado de penalidade, o prazo para interposição de suas correspondentes medidas administrativas é de 30 dias, a contar de sua cientificação das correspondentes notificações.

O infrator pode optar por pagar a multa (ou não) e ingressar com a Etapa do Processo Administrativo, que consiste na Instância de Recurso Administrativo contra a multa e a suspensão do direito de dirigir, a ser endereçado à competente Junta Administrativa de Recursos de Infrações – JARI” (CTB – arts. 16 e 17). Nesta ocorrerá o processamento e julgamento do aludido recurso administrativo, que envolve até a solicitação de informações ao órgão de trânsito autuador/aplicador da penalidade, para eventual aprimoramento das abordagens e autuações de infrações de trânsito. Nesta etapa, bem mais do que a argumentação referente a eventuais erros formais já alegados na etapa anterior (Defesa Prévia), há que se demonstrar, pela própria legislação de trânsito, que a autuação foi indevida e irregular!

A “JARI” tem prazo de até 24 meses para julgar o Recurso Administrativo e pode indeferi-lo (CTB – art. 289)! E então o infrator pode ingressar com a Etapa do Processo Administrativo, que  consiste na Instância de Recurso Administrativo contra a multa e a suspensão do direito de dirigir, a ser endereçado ao CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito (CTB – art. 12), ou ao CETRAN – Conselho Estadual de Trânsito ou ao DETRAN, ou ao competente Colegiado Especial.

Indeferido o Recurso Administrativo também nessa Instância, os meios administrativos para revisão/anulação das penalizações de multa e de suspensão do direito de dirigir ficam esgotados, não restando ao condutor infrator senão ajuizar ação judicial anulatória dos atos de autuação/notificação de imposição das penalidades de multa e de suspensão do direito de dirigir contra o(s)  órgão(s) de trânsito responsáveis pela autuação da infração / imposição das penalidades.

4 –– Do Direito –– do Processo Judicial

Reza o conhecidíssimo axioma jurídico: “Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo!”  Ora, tendo alguém ingerido um simples copo de cerveja, chope ou vinho, como pode –– em perfeita sobriedade –– submeter-se a um exame toxicológico, que visa apurar que estava dirigindo o seu veículo em estado inadequado/infracional,  com multa pesadíssima e mais suspensão da habilitação para dirigir por 12 meses?!?…

Tal situação surreal tem sido objeto de processos judiciais, em casos em que a penalização por tais infrações tem sido anulada, exatamente pela recusa do acusado de efetuar prova contra si mesmo! As decisões do Poder Judiciário –– com base na inconstitucionalidade de autuar quem se recusa a produzir prova contra si (via bafômetro!) –– vêm mostrando que a legislação de trânsito apresenta pontos questionáveis, a repercutir nos processos administrativos contra os condutores de veículos!

A própria Constituição Federal, desde 1988, ao determinar os direitos e garantias individuais, define, verbis:-  Art. 5º – “Todos são iguais perante a lei (…) LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.”

Também o Código de Processo Penal, com atualização de redação em diversos pontos, dispõe, verbis:- “Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação pela Lei nº 10.792, de 01/12/2003). Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.” (Incluído pela Lei nº 10.792, de 01/12/2003).

Outrossim, é de se atentar que anteriormente já existia o art. 165 no CTB, cuja infração tipificada é:- Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa que determine dependência. Posteriormente, para lhe dar maior concretude e rigor, criou-se o art. 165-A:   “Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277.” (Incluído pela Lei nº 13.281/2016).

Eis aí a grave questão: o art. 165 tipifica e penaliza a infração da condução de veículo sob influência de álcool, e o seguinte art. 165-A tipifica e penaliza a recusa à submissão ao exame toxicológico para se apurar a mesma influência!   A grande polêmica gerada pelo artigo subsequente é o fato de prever as mesmas penalidades a quem recusa o teste (art. 165-A) e para quem tem a embriaguez atestada (art. 165).

Com base no art. 165-A, percebe-se que é praticamente certo que o Condutor que se recusar a passar pelo bafômetro será punido. Afinal, a previsão é punir justamente quem se recusa. Contudo, temos, nos dispositivos já transcritos neste artigo, que a comprovação da infração prevista no art. 165 poderá ser feita por outras formas –– por inúmeros SINAIS, que a própria legislação de trânsito sugere e indica ––, e não apenas pelo teste do bafômetro.  E como o Judiciário já tem decidido pela anulação dessas infrações e punições, com base na inconstitucionalidade de punir quem se recusa a produzir prova contra si próprio, cabe questionar a incidência de  multa e suspensão do direito de dirigir ao Condutor por se recusar ao bendito teste, e questionar também, especialmente,  a própria constitucionalidade do art. 165-A do CTB!

5 – O exagero da penalização

Certo que dirigir sob dependência de álcool, além de constituir infração de trânsito, é ato criminoso, por colocar em risco a vida e a integridade física das pessoas! Mas não menos certo é que a multa estipulada beira o elevadíssimo valor de R$ 3.000,00, e é acompanhada por outra penalização, muito pior: a suspensão do direito de dirigir por 12 meses!!! Eis que, se existem alguns irresponsáveis que  cometem tal infração, noutro giro há uma imensa maioria composta por condutores que dirigem com cuidado e respeito às normas de trânsito e sem causar acidentes, e que às vezes ingerem uma mínima dose de bebida, que não lhes retira a sobriedade e não lhes causa nenhuma dependência!

E, dentre estes, muitos há que são os sustentáculos de suas famílias, e que, no exercício de seus labores, se utilizam diariamente de seu próprio veículo, seja no trajeto residência–serviço (e vice-versa), seja até mesmo como ferramenta de trabalho. Pelo que a condução deste veículo pelos assim considerados infratores é vital para o seu desempenho profissional, e, por óbvia consequência, para o sustento de suas famílias! Para estes, é cruel não dirigir por intermináveis 12 meses!!! Há que se humanizar a punição, reduzindo drasticamente o período de suspensão do direito de dirigir!

A verdade nunca prejudica uma causa que é justa!”

–– Mahatma Gandhi ––

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