A Possibilidade de Revisão ou Resolução Contratual Sob o Argumento de Onerosidade Excessiva, pela Imprevisibilidade da Pandemia

É inegável o impacto generalizado causado pela pandemia mundial da Covid-19, em todos os âmbitos de nossa sociedade.

Sem entrar no mérito das milhares de mortes fruto desse vírus – que devem ser lembradas, indiscutivelmente – é certo que muitos têm se utilizado deste período de crise para mascarar situações que já estavam debilitadas antes do advento da pandemia.

Após mais de um ano do início deste novo capítulo da história da humanidade, cheio de incertezas, não é incomum encontrar nos processos judiciais as “justificativas” dos devedores, de que, em razão da pandemia, alegam não possuírem recursos para quitar a dívida cobrada, ou para pagá-la na integralidade.

Assim, diante deste novo cenário, que tem aparecido (muito) no âmbito processual, é necessário perguntar: essa impossibilidade financeira surgiu durante a pandemia, ou em razão dela?

A distinção presente nesta pergunta é a chave para “destrancar” o andamento dos processos judiciais. Inclusive, em decisão recente proferida pela 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo1 (passível ainda de recurso), ficou determinado que a pandemia não justifica suspensão de pagamento de dívida (no caso em questão, o de financiamento de veículo).

Entendemos que referida decisão é emblemática, considerando o momento em que vivemos, pois traça uma limitação onde faz-se necessário comprovar como e quanto a pandemia afetou o devedor, para que lhe seja concedida a benesse de revisão contratual, em detrimento dos interesses do credor.

O pedido trazido pelo devedor no caso em questão era embasado em dois artigos do Código Civil, que discorrem sobre a possibilidade de o Juízo intervir na relação contratual em casos de onerosidade excessiva da dívida. Contudo, o pedido veio desacompanhado de elementos que possibilitassem a comprovação de hipossuficiência da parte para realizar o pagamento devido.

É certo que, por mais que os impactos graves da pandemia sejam indiscutíveis, as vendas on-line, por exemplo, cresceram exponencialmente. Ou seja, de alguma forma, o comércio está funcionando e se desenvolvendo. Não é necessariamente uma regra a inviabilidade comercial neste período, portanto, e daí vem a necessidade de comprovação de que a parte realmente não possui recursos para honrar seus compromissos.

O Relator do caso destacou, ainda, que a aplicação da revisão por onerosidade excessiva, decorrente da imprevisão ou da alteração da base objetiva do contrato, depende de diversos requisitos e não apenas da imprevisibilidade da circunstância superveniente, dentre elas a comprovação de que o referido evento imprevisível comprometa o valor da prestação que se pretende revisar ou resolver.

Neste sentido, ainda, vemos que o artigo 421, parágrafo único, do Código Civil determina que: “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”. Isso significa que, para que possa ser autorizada alguma revisão na forma de cobrar o devedor, deve haver um motivo muito sólido, que permita tal intervenção.

Outro ponto que deve ser destacado é que a decisão em comento atuou em favor do credor, em consonância com o entendimento incorporado pelo Código de Processo Civil, considerando que uma parte da obrigação já havia sido cumprida por ele (credor), que também sofreu, certamente, os impactos da pandemia, e assim seria desarrazoado impor exclusivamente a ele os prejuízos econômicos derivados dessa relação jurídica.

Assim, retomando a pergunta que destaquei no início deste artigo, é certo que, a depender da resposta, o devedor deverá honrar com seus compromissos, independentemente do advento da pandemia, não podendo usá-la como justificativa para agir de forma diversa.

Como observado pelo Relator no caso abordado alhures, a pandemia afetou a todos, de uma forma, ou de outra. Não se nega sua gravidade, ou a importância de que ela seja considerada na análise do caso concreto, para que não haja onerosidade excessiva a uma das partes, que possa vir a comprometer a sua sobrevivência. Contudo, qualquer pedido de revisão contratual deverá ser acompanhado das provas necessárias, ou então as execuções e cobranças deverão seguir seu regular prosseguimento – a caminho do novo normal, inclusive o “novo normal processual”-.

  1. Processo nº 1007892-36.2020.8.26.0003
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