Para quem não sabe, essa expressão vem do jargão futebolístico. Segundo definição obtida no site Wikipedia, gol contra ou autogolo (em Portugal) é um lance do futebol no qual um jogador faz a bola entrar no gol de sua própria equipe, resultando em gol para a equipe adversária. O gol contra normalmente estigmatiza o seu marcador, em função do prejuízo à sua equipe. Duas das formas mais comuns de marcar um gol contra são quando se tenta cortar um cruzamento ou passe do adversário e acaba-se por jogar a bola contra o próprio patrimônio, e quando se tenta recuar a bola para o goleiro. Marcar um gol contra também se tornou uma metáfora para qualquer ação que prejudique o seu autor. Trazendo esta expressão para o mundo do direito, é como se sente o advogado que por dever de ofício tem que lutar contra a aplicação do Tema 1.076 do Superior Tribunal de Justiça. Estranho, ou traição, pode parecer à primeira vista. Afinal de contas, esse tema interessa a toda a classe da advocacia, pois trata de seu sagrado direito aos honorários da sucumbência. Sim, mas nem sempre a bola é redonda. Este mencionado Tema foi julgado em sessão de março deste ano pela Corte Especial do STJ que, por maioria, decidiu pela inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados. O relator dos recursos submetidos a julgamento estabeleceu duas teses sobre o assunto: 1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil – a depender da presença da Fazenda Pública na lide –, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. 2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. Em todo processo judicial tem-se o vencedor e o perdedor, ou tecnicamente, o sucumbente. Não há empate. Ótimo se você estiver do lado do vencedor. O paradigmático julgamento pelo Tribunal Superior muito bem fez para a advocacia não obstante reafirmar o que já diz a lei desde 2015, devendo encerrar, pelo menos em tese, os julgados díspares espalhados pelo país. Mas e quando o advogado patrocina o interesse do perdedor, do sucumbente? O que fazer? E quando a ação que patrocina é antiga, anterior a definição da tese repetitiva, época em que o judiciário não fixava sucumbência com base no parágrafo 2º do artigo 85 para causas de elevado valor, e a derrota se consolida agora, após a fixação do tema? Literalmente o advogado é pego de “calças curtas”, com a mudança das regras no meio do jogo. Pode isso? Quando a ação foi proposta, esse risco de se arcar com uma sucumbência elevada era mitigado, mínimo. E agora? Por dever de ofício, deve-se lutar pelo afastamento do tema repetitivo, ou pelo menos a sua distinção neste caso. É nesta situação que me sinto diante de um caso, como aquele jogador que faz o gol contra. O processo em que estou trabalhando não comporta a aplicação do tema, por inúmeros motivos, e por isso a sucumbência não deveria ser fixada em percentual sobre o valor da causa, e sim por equidade. Se o Tema for aplicado, será a injustiça sacramentada pela justiça. Como resolver essa equação? Sim, sem me olvidar que em outro caso do escritório a situação é inversa, eu patrocino o interesse o vencedor e quero a aplicação da tese, não aceitando a fixação por equidade. Esquizofrenia jurídica. Dançando conforme a música. Equação difícil essa, que fica ainda mais complicada com a dificuldade que se tem hoje em dia de conseguir apontar a peculiaridade do caso ao julgador. Ninguém te ouve. Os julgamentos entram todos em uma fila, uma vala comum, aplicando-se o precedente como se a arte de julgar, de subsumir o fato a norma jurídica fosse possível de ser realizada por um aplicativo de celular. O sistema de precedentes é fundamental para desafogar o gargalo dos Tribunais Superiores, mas o direito não é uma equação matemática. Cada caso literalmente é um caso, e o advogado é o condutor da nau, incumbindo-lhe a arte de demonstrar, ao interesse do seu constituinte, que para aquele caso o precedente não deve ser aplicado, ainda que para isso ele tenha que jogar contra o seu próprio patrimônio. Espero não ficar estigmatizado por isso.

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