A relação entre religião e direito é um tema que tem sido objeto de discussão por séculos, e não é difícil entender a razão. Afinal, a religião tem sido uma força poderosa em muitas culturas, e suas crenças e valores influenciam muitos aspectos da vida humana, incluindo a forma como as leis são criadas e aplicadas.

Neste artigo, discutiremos de forma breve, mas com a devida importância, ainda que não com a profundidade que o tema exige, sobre a influência da religião no direito, examinando sua história e algumas de suas implicações contemporâneas, até a sua aplicabilidade e instauração no Brasil.

A influência da religião no direito remonta a tempos antigos. Muitas das primeiras sociedades humanas eram baseadas em religiões politeístas, e os deuses e deusas eram frequentemente vistos como os principais legisladores. Na Grécia antiga, por exemplo, as leis eram frequentemente vistas como derivadas das ordens divinas, e muitos dos primeiros escritos jurídicos da Grécia continham referências explícitas a divindades. Da mesma forma, o direito romano também foi influenciado por crenças religiosas, especialmente na forma como as leis eram interpretadas e aplicadas.

Para DURKHEIM, “Sabe-se há muito tempo que, até um momento relativamente avançado da evolução, as regras da moral e do direito não se diferenciavam das prescrições rituais. Portanto, pode-se dizer, resumindo, que quase todas as grandes instituições sociais nasceram da religião. Ora, para que os principais aspectos da vida coletiva tenham começado por aspectos variados da vida religiosa, é preciso evidentemente que a vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressão abreviada da vida coletiva inteira. Se a religião engendrou tudo o que há de essencial na sociedade, é porque a ideia da sociedade é a alma da religião” (DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo. 1974. Companhia Editora Nacional, p. 466).

De fato, ao longo da história, a religião exerceu grande influência sobre a criação e interpretação das leis em diversas culturas e sociedades, balizados principalmente pelo poder e força da Igreja Católica no ocidente.

A influência da religião na origem do Direito no Brasil é evidente desde o período colonial até os dias atuais, sendo que principalmente a Igreja Católica teve um papel importante na formação das leis e dos costumes da sociedade brasileira, no entanto, a diversidade religiosa do país limitou a sua influência.

Durante o período colonial, o Direito no Brasil era fortemente influenciado pela Igreja Católica, que era a religião oficial do país. O sistema jurídico era baseado na lei portuguesa, que por sua vez era influenciada pelo Direito Canônico, a lei da Igreja Católica. A Igreja também era responsável pela administração da Justiça, através do Tribunal da Inquisição, que tinha o poder de julgar e punir os crimes contra a fé.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de culto e separação entre religião e Estado. Isso significa que, embora a religião possa influenciar os indivíduos e suas escolhas, não devem interferir na elaboração das leis e na atuação do poder público.

Para os juristas Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico Kümpel, a aproximação entre direito e religião ainda pode ser observada em alguns institutos jurídicos contemporâneos. No direito brasileiro, por exemplo, essa aproximação pode ser notada no casamento religioso com efeitos civis. Nesse sentido, o Código Civil estabelece que o casamento religioso se equipara ao casamento civil, desde que escrito no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração. (Manual de Antropologia Jurídica. 1ª Edição. 2011, p. 128). Inteligência do Art. 1.515 do Código Civil.

No entanto, tal relação pode encontrar óbice na própria proteção garantida pela Constituição Federal. Há quem entenda que o casamento religioso para gerar efeito civil deve ser “oficiado por ministro de confissão religiosa reconhecida (católica, protestante, muçulmano, israelita). Não se admite, todavia, o que se realiza em terreiro de macumba, centros de baixo espiritismo, seitas umbandistas, ou outras formas de crendices populares, que não tragam a configuração de seita religiosa reconhecida como tal” (VENOSA, Sílvio de Sálvio (2006) Direito civil: direito de família. São Paulo. Atlas. P. 32).

Nesse sentido, entende Olney Queiroz de Assis, que “essa tendência reducionista do conceito de religião afronta as garantias constitucionais e pode provocar sérias perturbações sociais. A Constituição Federal prescreve que é inviolável a liberdade de crença, assegura o livre exercício dos cultos religiosos e garante, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias (art. 5o, VI). Negar às manifestações religiosas advindas da cultura africana um lugar no conceito de religião e nomear essas manifestações de forma pejorativa, além de violar um princípio constitucional, expressa um desejo de restabelecer dogmas da ideologia colonialista, que, como visto, forneceu justificativas para negar humanidade aos negros e aos índios.” (Manual de Antropologia Jurídica. 1ª Edição. 2011, p. 128)

Ainda, na visão de Olney Queiroz de Assis, “o aumento da complexidade social decorrente do intercâmbio cultural e das imigrações garantiram ao Brasil a coexistência de inúmeras religiões. A proteção constitucional alcança todas elas, sem exceção. Assim, além da religião cristã, da judaica e da muçulmana, é necessário considerar outras manifestações religiosas, como as provenientes de culturas indígenas, africanas, orientais e de outras partes do mundo.” (Manual de Antropologia Jurídica. 1ª Edição. 2011, p. 129)

É importante destacar que, apesar dessa separação entre religião e Estado, é possível que certos valores religiosos estejam presentes na legislação. Isso ocorre, por exemplo, quando se trata da proteção à vida e à dignidade humana, valores que são comuns a várias religiões e que são defendidos pelo Direito.

Outrossim, é preciso estar atento ao perigo da imposição de valores religiosos específicos em detrimento da diversidade e da liberdade de escolha. É fundamental que o direito proteja todos os indivíduos, independentemente de sua religião ou crença, e que não sejam feitas leis que favoreçam uma religião em detrimento das demais.

Por fim, nas palavras de Olney Queiroz de Assis, “a Constituição Federal não define o conceito de religião, nem autoriza o legislador ordinário a defini-lo, porque é um conceito antropológico, mas coíbe práticas atentatórias à dignidade da pessoa humana, mesmo quando revestidas de rituais religiosos.” (Manual de Antropologia Jurídica. 1ª Edição. 2011, p. 130)

É importante reconhecer que a religião ainda exerce uma influência significativa na sociedade brasileira, contribuindo de forma expressiva para que se alcance uma sociedade mais justa e igualitária, podendo continuar a influenciar o Direito de formas diferentes no futuro.

Fale com a AHO
1
Olá,
Envie sua mensagem que te retornaremos em breve.

Obrigado!