Era só o que faltava: o Síndico quer interromper a minha obra… Pode isso?

Sabe aquela obra que há tempos planeja fazer em seu apartamento? Ora, vamos lá, sempre há algo a se fazer; reformar o banheiro, trocar todo piso da sala, reformar a cozinha e transformá-la em conceito americano: “- Cozinha americana é um conceito moderno e serve para fazer aquele ambiente integrado com a sala”, diriam sua esposa e aquela amiga que sempre faz as vezes de “arquiteta cheia de ideias fantásticas” para o seu lar!…

Sabe aquele espaço esquecido na parte superior do seu duplex? Poderá se transformar no “recanto do guerreiro”, com uma bela churrasqueira e aquela mesa de sinuca que sempre sonhou em ter… Mas, e o espaço? “- Não se preocupe: é só fazer uma laje aqui p’ra ampliar o espaço, vai ficar show!” , poderia ser esse o conselho daquele seu pedreiro “nota 10”, que sempre faz ótimos serviços para todos seus amigos e familiares!…

Muitos anos de planejamento financeiro depois, com muito esforço de toda a família, sua obra, enfim, começa: quebradeira de azulejos, pisos, paredes… Paredes? Sim, afinal precisamos integrar a cozinha com a sala… OK! A laje para ampliar o mezanino também já está sendo providenciada: vergalhões, tijolos e concreto… Até que sua campainha toca: eis que o Síndico aparece para “estragar” a brincadeira: “- O Sr. precisa interromper essa obra, agora!”

Essa história poderia acontecer com você ou com qualquer um de seus vizinhos. Quem reside em edifício sabe o quanto é difícil – com o perdão do trocadilho – conviver com uma obra. Muito além do incômodo provocado pelo barulho de martelos e serras, e do “entra-e-sai” de material de construção e equipe de funcionários que atuam nesse tipo de obra, inevitável a preocupação que atormenta – ou pelo menos que deveria atormentar – a cabeça de todos os condôminos: Será que essa obra é segura? Será que não irá comprometer a integridade do prédio?

Recentemente se tornou notícia nos principais veículos de comunicação o trágico desabamento do edifício Champlain Towers South com 100 unidades, na cidade de Surfside, condado de Miami-Dade, Estado da Flórida-EUA, causando a perda de 97 vidas e deixando muitas perguntas sem respostas, dentre as quais aquela que tenta encontrar explicação para a tragédia: qual seria a causa do desabamento?

Nesse caso específico ainda não há conclusões, entretanto um conjunto de fatores é considerado para explicar as causas do desabamento: deterioração da estrutura, problemas de infiltração no solo e obras não permitidas nas unidades do luxuoso edifício.

Felizmente no Brasil existem regras que se aplicam tanto para a execução das obras nas unidades privativas de um edifício, quanto para a fiscalização delas. Em muitos casos a própria Convenção de Condomínio estabelece a necessidade de comunicação prévia do Síndico, com a apresentação de projeto de execução da obra elaborado com base no projeto executivo do edifício, que visa estabelecer todos os limites de peso permitidos para não abalar sua estrutura, bem como a apresentação de ART – Anotação de Responsabilidade Técnica – de engenheiro responsável, e do RRT – Registro de Responsabilidade Técnica – do arquiteto responsável.

Entretanto, nem todas as Convenções de Condomínio possuem previsões tão precisas em relação às medidas técnicas de segurança, que deverão ser observadas por aqueles condôminos que pretendem realizar a sua tão sonhada obra. Na maioria dos casos, as alterações na estrutura das unidades são realizadas à revelia da observação das regras de segurança, o que inegavelmente pode trazer riscos à estrutura do edifício.

Exatamente para essas ocasiões é que o Código Civil Brasileiro, em 2002, estabeleceu em seu art. 1336, inciso II, o dever de obediência dos condôminos no tocante à proibição de realização de obras que representem ameaça à segurança da edificação.

O artigo supra mencionado não estabelece especificadamente quais são os cuidados que devem ser observados pelos condôminos, mas estabelece a possibilidade de punição para aqueles que se recusam a cumprir os deveres ali estabelecidos. Por óbvio que faltaram critérios objetivos no aludido dispositivo, o que por muito tempo se tornou um problema e permitiu que obras sem segurança fossem realizadas.

Em janeiro de 2012, dois prédios que passavam por reformas em algumas de suas unidades – um de 10 andares e outro de 21 andares – desabaram no centro do Rio de Janeiro, deixando 11 vítimas e escancarando a urgente necessidade de nomas técnicas precisas para regular e fiscalizar a segurança das obras no interior das unidades de um edifício.

Por isso, em 2014 o dispositivo do Código Civil supramencionado ganhou um reforço normativo importante para a fiscalização das obras, quando a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – editou a norma NBR 16.280, estabelecendo as normas técnicas aplicáveis para reformas em edificações, com requisitos para o sistema de gestão de controle de processos, projetos e execução das reformas, para segurança dos trabalhos.

A norma NBR 16.280 se tornou a principal ferramenta para a promoção da conscientização dos condôminos sobre a necessidade de realização de obras com acompanhamento de profissionais habilitados e com a produção de projetos que contemplem a segurança da edificação como um todo.

Tudo bem, mas isso não responde a questão: o Síndico pode impedir a minha obra?

A resposta ainda não pode ser “sim” e tampouco “não”. A resposta dependerá da segurança da obra realizada à luz das normas apresentadas. Por outro lado, é importante esclarecermos que cabe justamente ao Síndico o dever de fiscalizar a sua obra.

Como bem pontua o Professor Anderson Schreiber1, ao Síndico incumbe a administração geral do condomínio e o poder de polícia interna, sendo seu dever zelar pelo fiel cumprimento de todos os condôminos das disposições legais pertinentes aos condomínios edilícios e as regras convencionais e regulamento interno.

Isso porque a utilização da propriedade privada nos condomínios encontra seus limites no art. 1336, inciso IV do Código Civil, devendo o proprietário observar, dentre outros fatores, a segurança da edificação, de modo a não colocar em risco a vida dos seus vizinhos.

De acordo com os motivos elencados, sempre que um proprietário pretender realizar uma reforma deverá apresentar ao Síndico o respectivo projeto de execução, com a devida ART ou RRT, dependendo do caso, cabendo a ele, o Síndico, apurar se a obra oferece ou não risco ao edifício, podendo autorizar ou não a sua execução.

E claro, vale sempre lembrar que o Síndico poderá delegar essas análises de risco e da documentação pertinentes à Administradora do Condomínio que, fazendo as vezes do Síndico, irá analisar os documentos apresentados e emitir seu parecer para nortear a decisão final, que sempre será dele, Síndico.

Vale destacar que a alegação eventual de um condômino de que a fiscalização da obra pelo Síndico estaria impondo restrições não previstas em lei ao seu direito de propriedade não seria cabível, pois, como vimos, o próprio Código Civil estabelece limites a esse direito, quando estabelece o dever do condômino de “não utilizar sua parte de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores”.

Lado outro, fica estabelecido ao Síndico o dever de fiscalização, nos exatos termos do art. 1.348, inciso V do Código Civil, devendo inclusive tomar as medidas judiciais cabíveis para fazer cessar a(s) obra(s) que não foi(foram) por ele autorizada(s) , sob pena de ser responsabilizado por danos causados ao condomínio.

Portanto, para a realização de uma obra, o condômino deve observar a legislação vigente, devendo elaborar projetos de execução à luz daquilo que determina a NBR 16.280 da ABNT, apresentar a documentação necessária e requerer autorização para o início da obra. Ao Síndico cabe autorizar ou não o início das obras, bem como fiscalizar a sua execução, fazendo uso de todas as normas legais que não só o autorizam a exercer esse papel, mas atribuem a ele o dever de fazê-lo, sob pena de ser responsabilizado civil e criminalmente pela omissão2.

Então: “–– O Síndico pode parar minha obra, que não possui projeto executivo, ART e RRT?”

Não só PODE como DEVE!!!

  1. SCHREIBER, Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo – Ed. Saraiva – São Paulo, 2018, p. 769 – apud ROCHA, Debora Cristina de Castro da, e ROCHA Edilson Santos: A Responsabilidade do Síndico nas Reformas em Condomínio conforme NBR-16.280 e o Código Civil:https://www.migalhas.com.br/depeso/327512/a-responsabilidade-do-sindico-nas-reformas-em-condominio-conforme-nbr-16-280-e-o-codigo-civil
  2. Nos termos do julgado: TJ-RJ – AI: 00474429820168190000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 42 VARA CIVEL, Relator: MARIA HELENA PINTO MACHADO MARTINS, Data de Julgamento: 13.10.16, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17.10.16
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