Em 25 de fevereiro deste ano de 2022, após o anúncio da aposentadoria de Stephen Breyer – um dos nove ministros integrantes da mais alta corte de Justiça norte-americana –, o presidente Joe Biden, com imensa satisfação e orgulho, cumprindo promessa de campanha procedeu à indicação da Juíza Federal Ketanji Brown Jackson para a ocupação da vaga. No dia 04 de abril –– exatamente após 54 anos do assassinato de Martin Luther King, o grande líder do movimento dos direitos civis –– a indicação foi aprovada na Comissão de Justiça, e em 07 de abril o Senado daquele país confirmou a sua nomeação como a primeira Juíza negra da Suprema Corte dos EUA!

Teria sido fácil a aprovação pelo Senado, não fosse a disputa política reinante entre os partidos Democrata (do presidente) e o Republicano (de oposição, conservador e avesso às inovações), cada qual com 50 votos. Foram três dias de intensa sabatina, em que os senadores republicanos tentaram fustigar e desqualificar a indicada, mas esta reagiu com respostas firmes, convincentes e com enorme profundidade, demonstrando cabalmente que continuará inabalável em seu mister de proferir decisões sempre respaldadas em seu senso de justiça, independentemente de etnia, gênero ou perfil ideológico.

Se empate houvesse, o voto decisivo seria dado pela Vice-Presidente do país e presidente do Senado, Kamala Harris, democrata e também negra! Mas tal não foi necessário, pois 03 senadores republicanos mais moderados, aliados à causa do antirracismo, votaram a favor da justíssima nomeação, perfazendo o resultado final de 53 votos a favor contra 47 contrários. Presentemente, após 233 anos de existência, a mais Alta Corte americana conta com 04 Juízas, uma delas a primeira negra a integrá-la, e ainda a segunda com idade mais jovem (51 anos), com longo tempo à frente para a prolação de decisões sábias e justas! Sendo ainda a primeira-ministra do Supremo americano que trabalhou como Defensora Pública!

A Juíza Ketanji nasceu em Washington – DC, e cresceu em Miami/ Flórida. Filha de educadores (que frequentaram escolas e universidades segregacionistas), teria dito à sua orientadora de ensino médio que gostaria de estudar em “Harvard”, sendo advertida de que não deveria sonhar tão altoPois bem: ela não só ingressou na “Universidade de Harvard”, como se formou na “Harvard Law School” e até foi editora da “Harvard Law Review”! E lá conheceu e se casou com um colega médico, branco, gerando duas filhas.

E no nosso Brasil? Aqui, desde a instauração do Supremo Tribunal Federal – STF pela Constituição de 1890, os seus Ministros sempre foram brancos, com duas exceções: Pedro Augusto Carneiro Lessa (1907 até 1921) e Hermenegildo Rodrigues de Barros (1919/ até 1937). Passaram-se 63 anos, e eis que em 2003 o então presidente Lula nomeou o Juiz negro Joaquim Barbosa (Joaquim Benedito Barbosa Gomes) como Ministro da nossa mais alta Corte de Justiça, o qual em 22/11/2012 se tornou o primeiro presidente negro do STF, cargo que exerceu até se aposentar em 31/07/2014, em cujo período ocorreu o julgamento da famosa Ação Penal 470 (“mensalão”).

Nascido em Paracatu–MG, o mais velho entre oito irmãos, com a separação de seus pais tornou-se o arrimo da família. Foi depois para Brasília– DF, formou-se em Direito, fez pós–graduação, destacou-se em carreira pública e como jurista atingiu a culminância no STF. Em seu entendimento: Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem (fragmentação) entre o discriminador e o discriminado.

Recentemente, no Rio Grande do Sul, a Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira foi nomeada presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado! Nesta qualidade, e como a primeira mulher e a primeira negra em tão alto cargo, declarou enfaticamente: Eu sou a primeira, mas tenho certeza de que não serei a última. Tenho consciência da minha responsabilidade por ser a primeira, por abrir essa porta, que eu não posso permitir que se feche”!

Tendo estudado em escola pública, prestou vestibulares para Serviço Social e Direito, optando por este último por influência do pai (advogado), vindo a se formar em 1981 pela “UFPel – Universidade Federal de Pelotas – RS”. E aconselha às jovens das carreiras jurídicas: Para que se chegue a algum lugar há de se ter superação. Nós devemos nos preparar, termos uma educação, um estudo, a qualificação e irmos à luta para conquistarmos maior espaço … se dedicando à causa da Justiça. Apurar a verdade, fazer com que o Direito venha a socorrer os casos concretos”.

Sobre a participação e inter-relação das pessoas negras na Justiça do Brasil, há que se evocar o brilhante texto publicado na “Revista do Advogado” (AASP – nº 143 – Agosto/2019 – pág. 55/61),  intitulado “Notas sobre Racismo e Justiça”, de autoria do ilustre advogado e professor em Direitos Humanos, Diversidade e Discriminação na FGV-Direito-SP – DR. THIAGO AMPARO –, o qual, com muito discernimento, expõe e argumenta que: (…) “raça é o principal marcador de diferença nos sistemas coercitivos de aplicação da força e privação da liberdade, permeando as relações jurídicas subjacentes ao Direito Penal e sistemas policiais ……… para grupos historicamente discriminados e vulnerabilizados o que importa ‘não é somente se e como o Direito posto assegura seus direitos’, mas também a forma como seletivamente o Direito na prática os oprime ……… o racismo é estrutural … encontra-se engendrado na sociedade de tal forma que é reproduzido por regras jurídicas e outras ao ponto de ser normalizado ……… Tanto a elite da advocacia brasileira quanto a magistratura no país são ilhas brancas em um país de maioria negra ……… diversidade racial no Judiciário pode melhorar processos de deliberação judicial, porque ao termos diversas vozes entre os juízes seria pouco provável que uma única linha jurisprudencial dominasse o Poder Judiciário ……… maior diversidade étnico-racial pode revelar disparidade de tratamento de casos de discriminação racial, sendo juízes negros mais empáticos a estes pleitos ……… cenário de seletividade racial do Direito ……… a criminalização racial é fruto de lutas históricas de movimentos sociais, com os quais constituintes e parlamentares dialogaram para chegarmos à atual legislação antidiscriminação. Direito e movimentos sociais podem encontrar sinergias relevantes para combater injustiças históricas.”  [g.n.]

Eis aí, pois, algumas considerações pelos recentes destaques das pessoas negras na Justiça dos EUA e do Brasil. Que continuem com suas obras e atividades maravilhosas em seus altos cargos e posições, a nos iluminar os caminhos, em prol do Direito e da Justiça!

Sonho com o dia em que a Justiça correrá como água e a retidão como um caudaloso rio!”

–– Martin Luther King Jr. ––

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