Apesar de muito bonitas nas músicas, as chuvas, especialmente as de verão, têm trazido muitos problemas. Se antigamente se dizia que as inundações, desmoronamentos ou situações semelhantes decorrentes das chuvas eram culpa “apenas” (e não há aspas suficientes para deixar clara a minha ressalva nessa frase) da ocupação desgovernada e irregular de morros, várzeas e afins, parece que São Pedro decidiu igualar as questões entre todos.

Inúmeras são as imagens que temos visto nas redes sociais, noticiários ou mesmo pessoalmente das consequências de não nos preocuparmos com as mudanças climáticas e com a impermeabilização do solo das cidades.  Mas, na prática, quem se responsabilizará pelos prejuízos? Ou ainda, há quem apontar como responsável? Como (quase) tudo no Direito, a resposta é um grande “DEPENDE”!…

As chuvas são um evento climático – um ato de Deus, seguindo a doutrina clássica – e não resultariam, de plano, responsabilidade a ninguém. Isso também se poderia dizer de alagamentos em áreas de várzeas de rios ou lagos (ainda que canalizados ou ocultos por construções humanas), enfim áreas que naturalmente seriam ocupadas pelo aumento regular das águas por força da chuva no local ou noutro ponto acima. Aliás, é exatamente por isso que, costumeiramente, as legislações obrigam os imóveis mais baixos a receberem as águas dos situados acima do declive (é algo natural e que não se poderá nunca impedir).

Agora, muito diferentes podem ser as consequências dessas inundações com o fluxo seguido pelas águas decorrentes da ação humana, exclusivamente ou não. E essa matéria não é nova, e já tem sido regulada por diversos códigos com o passar do tempo.

Um bom exemplo a esse cenário foi recentemente ilustrado nas redes sociais pela queda de um muro por conta do acúmulo das águas no imóvel vizinho e mais elevado – a quem não viu essas imagens, por conta do acúmulo de água, o muro entre os imóveis cedeu, caindo sobre a piscina da casa vizinha; por sorte, ninguém estava no local ou se feriu no incidente. E aí?

A legislação sobre o tema determina que o imóvel em nível mais baixo receba as águas que correm naturalmente do imóvel superior, alertando, contudo, que a situação daquele primeiro imóvel não pode ser agravada por obras feitas no segundo (e mais alto) imóvel.

No exemplo citado, é óbvio que a água da chuva iria seguir de um imóvel para o outro, sendo até natural que suje (por carregar terra ou grama) a piscina do vizinho abaixo; entretanto – e aqui não estou analisando se correta ou não a construção daquele muro, o mesmo não se pode dizer da queda do muro, já que este evidencia um acúmulo de água que não é natural ao local –, seja por falta de drenagem ou outras questões desconhecidas, essa água se acumulou e acabou superando a força daquele obstáculo, resultando no incidente narrado.

E nesse caso, ainda que não se possa apontar um responsável no exemplo dado (afinal, faltam diversos dados para tal conclusão), a discussão vai se resumir àqueles dois vizinhos. Mas e quando a inundação, ou mesmo a queda de um muro, acontece por acúmulo de água nas ruas, sejam públicas ou de um condomínio, quem responde?

Aqui a situação se complica: ainda que se tenha desnível entre a rua e o imóvel atingido – o que o obriga a receber as águas que para ali fluem naturalmente –, podem ter ocorrido agravamentos que não deveriam existir. Por exemplo: quando as “bocas de lobo” estão entupidas ou restritas por lixo e detritos ou outras barreiras não naturais que acabam impedindo o fluxo de água, resultando no seu acúmulo e consequente invasão por estas dos imóveis locais, ou a própria ruína das construções atingidas.

E a complexidade advém não só do problema – que muitas vezes atinge uma coletividade, não só um imóvel ou família e que tem se agravado com as mudanças climáticas que vivenciamos –, mas também de suas origens e dos custos envolvidos com sua solução. Inclusive, não poucas vezes as infraestruturas de escoamento de águas pluviais – muitas calculadas e estimadas décadas atrás – não foram pensadas para suportar esse volume e força das águas.

Afinal, apesar dos imóveis em nível mais baixo serem o caminho natural das águas da chuva, a impermeabilização do solo não só impede sua absorção, mas torna a velocidade e a quantidade de água que atinge os imóveis seguintes ainda maior, agravando sua situação e tornando quem gerou esse novo cenário potencialmente responsável pelos danos decorrentes.

E normalmente essa preocupação só surge – com perdão pela referência que não deveria ser literal –, quando a água bate, se não no pescoço, muito acima do joelho dos atingidos, tornando-se uma urgência ou mesmo uma emergência, com prejuízos incalculáveis.

Diversos são aqueles que, agora, propõem “soluções” – legislativas, porém raramente práticas – e “exigem” ações enérgicas dos entes responsáveis, especialmente quando acreditam que isso irá promover sua imagem e lhes beneficiar num futuro próximo. Poucos, contudo, programam as ações e as realizam para evitar que as tragédias se repitam.

Duvidam? Então procurem saber qual foi o orçamento para combate a enchentes em sua cidade, e terão uma decepção certamente maior que o orçamento do Município de Campinas para tanto.  E sem tais preocupações e ações, as pessoas que deveriam atuar, e não o fazem, podem se tornar responsáveis pelos danos decorrentes da sua omissão ou negligência.

Isso vale em condomínios, loteamentos e, até mesmo, entre vizinhos – e quantas brigas não surgem nessas horas exatamente por se apontar esse ou aquele culpados?…

Por isso mesmo que a prevenção ainda é o melhor remédio: se você é condômino, síndico, membro de associação de moradores ou simplesmente dono de um imóvel, procure profissionais capacitados e habilitados a lhe ajudar e esclarecer o que precisa, tecnicamente, ser feito para evitar essas situações.

Se não, bem: talvez você tenha que consultar um advogado antes mesmo que as águas de março encerrem o verão!…

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