É muito comum ter-se a ideia de que aquele imóvel conhecido como “bem de família” não pode ser penhorado, não importa o que aconteça. Contudo, a legislação prevê exceções para permitir a penhora do bem de família e os Tribunais têm discutido constantemente sobre o tema, firmando novos entendimentos.
O bem de família, na legislação, é tido como o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, que é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei.
O espírito do legislador com tal instituto foi resguardar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à moradia.
Entretanto, é certo que não existe princípio absoluto, inquestionável, em nosso ordenamento jurídico, de modo que a relativização de um princípio em relação a outro, para resolução do caso concreto, se mostra adequado. Daí, o ditado popular “o seu direito termina onde começa o do outro”.
No caso do bem de família, o próprio legislador criou exceções à regra da impenhorabilidade, permitindo, portanto, que tal bem seja tomado pelo credor, através do devido processo de execução.
Algumas situações descritas na lei, que permitem a penhora do bem de família, são: cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; execução de pensão alimentícia; por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, entre outras.
A possibilidade de penhora do bem de família em razão de fiança concedida em contrato de locação deve ser tida como ponto de atenção, justamente por ser, muitas vezes, desconhecida.
Não é raro que sujeitos assinem contratos de locação residenciais uns dos outros, na qualidade de fiadores, acreditando fielmente que o locatário irá honrar o ajustado com o locador, e que, eventualmente, sua esfera patrimonial possa ser atingida, mas com limitações. Ledo engano!
No caso de descumprimento do contrato residencial e execução dos alugueis e demais despesas previstas no instrumento, o bem de família do fiador pode ser atingido. Ou seja, aquele único bem que o fiador possui, e no qual reside com a sua família, pode ir a leilão. Por isso, a importância de conhecer as consequências de eventual descumprimento.
No caso de locações empresariais, houve discussão intensa acerca da possibilidade de se atingir ou não o bem de família do fiador, em caso de inadimplência.
Chegou a ser defendida a tese de que não haveria fundamento na penhora do bem de família de fiador em contrato de locação empresarial, uma vez que representaria a preponderância do direito à livre iniciativa em detrimento do direito à moradia.
Também se defendeu que tal medida seria extremamente severa, uma vez que, por diversas vezes, o fiador é sócio da empresa que está locando o imóvel, de modo que, no caso de complicações financeiras, teria o patrimônio da empresa e o seu patrimônio pessoal atingidos.
Tal discussão chegou ao Superior Tribunal Federal (STF) e entendeu-se, por maioria de votos, que não deveria existir distinção entre o fiador de contrato de locação residencial e o de locação comercial, e que o direito à moradia não é absoluto, devendo ser flexibilizado com a livre iniciativa do locatário em estabelecer o seu empreendimento e da autonomia da vontade do fiador, que de forma livre e espontânea garantiu o contrato.
Desse modo, foi fixada a tese de que é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial.
A ideia, portanto, de que “bem de família” não pode ser penhorado, não importa o que aconteça, não é verdadeira. A possibilidade de se ter o único imóvel em que se vive comprometido e levado a leilão, em razão de dívidas, é real. Daí, a importância de estar atento às exceções contidas em nossa legislação, e especialmente, aos entendimentos dos Tribunais sobre o tema.
Para tanto, a figura de um bom advogado é fundamental!

Advogada da Advocacia Hamilton de Oliveira, é inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB/SP).
Formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS), sua prática tem sido dedicada à área do Direito Civil, especialmente do Direito da Família e das Sucessões.
Idiomas: Inglês.