Com o atual estado de calamidade na saúde que o mundo vive, em que a única esperança é a de se retornar ao mais próximo do normal que vivíamos até o final de 2019, uma questão se tornou muito presente na vida de todas as pessoas e gerou algumas dúvidas. Em caso de recusa do trabalhador em se vacinar, a empresa pode lhe aplicar medidas disciplinares, até mesmo a dispensa por justa causa?

Há muito se sabe que o Brasil possui um dos mais eficazes – ao menos até o início da vacinação contra a COVID-19 – Programa Nacional de Imunização (PNI), sendo referência internacional de política pública de saúde, através do qual se fornece acesso gratuito à população de todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A vacinação, como método de controle de doença, se iniciou em 1904, quando se combatia a varíola e o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal 92/1904, que tornou obrigatória a vacinação da população brasileira contra a referida doença – mesmo que contra a vontade -, sendo que, para efetivá-la, agentes de saúde não apenas aplicavam a vacina nos postos de saúde, mas também iam até a casa dos cidadãos e os obrigavam a receber o imunizante. Essa obrigatoriedade gerou a revolta da população e o movimento antivacina, que culminou na decisão do Governo Federal de apenas limitar a obrigatoriedade aos trabalhadores, estudantes e pessoas que desejassem se casar.

No ano de 1973 o Brasil criou o Programa Nacional de Imunização (PNI), sendo que atualmente possui apoio técnico, operacional e financeiro da UNICEF, além de contribuições do Rotary Internacional e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ele foi instituído pela Lei Federal 6.259/1975 e regulamentado pelo Decreto nº 78.231/1976, iniciando a primeira Campanha Nacional de Vacinação no ano de 1980, para combate à poliomielite.

No ano de 2004, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 507/2004, a qual estabelece, em seu artigo 3º, que as vacinas previstas no calendário do PNI são de caráter obrigatório, e a comprovação da aplicação se dá através da carteira de vacinação.

Mas por que todo esse histórico é importante?

Em razão da pandemia a discussão acerca da vacinação, e eventuais penalidades no âmbito da relação de emprego, ganhou grande visibilidade por ter se levantado a possibilidade de aplicação de justa causa ao empregado que não tenha se imunizado contra a COVID-19. Isso realmente é uma possibilidade ou a empresa estaria extrapolando seu poder diretivo?

Por ser uma doença e, consequentemente, uma vacina nova, tal imunização ainda não faz parte do PNI. Contudo, já resta clara e evidente a urgente necessidade da vacinação para o controle da pandemia causada pelo vírus.

Nos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, e também do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a COVID-19 prevista na Lei 13.979/2020. O Estado não está autorizado a vacinar os cidadãos de maneira compulsória, mas poderá impor, àqueles que se recusarem, medidas restritivas, tais como multa, impedimentos de frequentar determinados lugares, de se matricular em escola e etc.

Assim, mesmo não fazendo parte do PNI, clara está a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19, tanto quanto às vacinas que compõem o programa, sendo que ela deve ser tratada da mesma maneira, por equiparação.

A recusa da imunização, não somente da vacina contra a COVID-19, mas de qualquer vacina que faz parte do PNI, pode, sim, ensejar a aplicação de penalidades pelo empregador, já que cabe a ele garantir um ambiente de trabalho seguro, devendo garantir aos trabalhadores todas as normas de prevenção contra doenças infectocontagiosas – o que inclui sobremaneira a COVID-19.

Já é rotina entre os departamentos de recursos humanos, e isso não caracteriza discriminação, a solicitação de cópia da carteira de vacinação no ato da contratação. Evidente que esta medida tem o objetivo de evitar, ou ao menos mitigar, a transmissão de alguma doença aos funcionários que naquele local já laboram.

Agora, mais do que nunca, entendemos que deverá ser adicionada na rotina dos recursos humanos a solicitação de cópia do comprovante de imunização contra a COVID-19, por razões que por ora dispensam comentários.

Caso o funcionário se recuse a vacinar-se quando do momento oportuno pode, sim, o setor de recursos humanos lhe aplicar advertência escrita, suspensão e até mesmo a justa causa, caso essa recusa persista. Inclusive, é nesse sentido o entendimento do TRT2 (São Paulo), que confirmou a justa causa aplicada por uma empresa a uma funcionária que não quis se vacinar (Processo n.º 1000122-24.2021.5.02.0472).

Aos trabalhadores cabe, em conjunto com o empregador, manter o ambiente de trabalho seguro, tomando todos os cuidados acerca da transmissão de doenças e, inclusive, auxiliando os recursos humanos caso essas medidas não estejam se realizando.

Somente realizando um esforço conjunto é que será possível erradicar – ou ao menos minimizar os efeitos – da COVID-19. Ainda estamos aguardando a ciência nos dar um norte sobre como seguir após as primeiras doses da vacina (se a sua aplicação será anual, como a H1N1). Mas uma coisa é certa: devemos seguir as orientações que temos disponíveis e continuar tomando os cuidados – se não por nós, pelos nossos próximos!

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