Responsabilidade solidária entre a agência de viagens e a companhia de aviação na comercialização de passagens aéreas

Uma relação que, por sua própria natureza, sempre gera reclamações e discussões, especialmente pelos usuários interessados nos produtos e serviços ofertados, é a da compra e venda de passagens aéreas. De um lado temos a pessoa física do pretendente à aquisição da passagem aérea, e de outro temos, basicamente, duas pessoas jurídicas: a agência de turismo que promove a venda da passagem e a companhia aérea responsável pelo transporte.

Recentemente tivemos, com repercussão mundial –– com resquícios ainda sensivelmente presentes –– , a pandemia da “Covid–19”, que trouxe transtornos e dificuldades para o enfrentamento de situações inusitadas, induzindo ao equacionamento de soluções para as questões decorrentes, inclusive com interferências governamentais, mormente no setor de navegação aérea e serviços correspondentes. Certo que, com a pandemia, houve incremento de questionamentos entre usuários e fornecedores de serviços aéreos. Porém, não menos certo é que, vencido o período pandêmico crítico, tais questões ainda perduram!…

Ou seja: por se tratar de um relacionamento entre seres humanos, a prestação de serviços de viagens aéreas sempre traz consigo a possibilidade de desajustes entre as partes, seja por insatisfação dos usuários, seja por prestação indevida dos serviços por parte dos responsáveis pela venda das passagens e/ou pelo transporte aéreo!

Releva notar que, in casu, há uma responsabilidade civil objetiva e solidária, entre a agência de turismo promotora da venda da passagem e a empresa de aviação responsável pelo transporte. Pois entre elas se constitui uma cadeia de fornecimento de serviços:  enquanto a primeira divulga, intermedia e vende a passagem, a segunda efetua o transporte do adquirente passageiro.

Referindo-se aos direitos básicos do consumidor e aos deveres dos fornecedores de produtos/serviços, o Código de Defesa do Consumidor – CDC dispõe clara e textualmente:-

“Art. 7º – Parágrafo Único – Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

1º – O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido; § 2º (…); § 3º (…).

Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.” [G.N.]

Ou seja: tanto na hipótese constante do § único do art. 7º (ofensa com mais de um autor), quanto na do art. 34 (ofensa praticada por prepostos ou representantes autônomos), há responsabilidade solidária dos fornecedores de serviços. Bem assim, o caput do art. 14 é claríssimo ao realçar a responsabilidade objetiva do fornecedor, ao destacar que este “responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos …”!

Destarte, tanto a agência vendedora da passagem, quanto a empresa de aviação responsável pelo transporte, são responsáveis por eventuais danos causados ao consumidor, na medida de suas respectivas atuações a cada caso, devendo ambas ser partes legítimas para integrar o polo passivo de demandas judiciais nestas situações, na condição de Correqueridas.

Outrossim, observa-se que, em processos judiciais dessa natureza, é comum cada uma das Corrés elaborar a sua defesa justificando a sua própria atuação, isentando-se e desviando a responsabilidade do dano causado ao consumidor para a outra Correquerida!… Pois geralmente a agência de viagens se escuda no argumento de que é “mera intermediadora da comercialização da passagem e que não é responsável pela disponibilização dos voos!… Enquanto que a companhia aérea alega que as passagens vendidas por agentes de viagens apenas podem ser canceladas ou alteradas pelo próprio agente vendedor e que o cliente é da agência de viagens, onde os bilhetes aéreos são adquiridos!…

De tudo resta, com solar clareza, que os procedimentos e as áreas de atuação entre ambas as empresas –– agência de viagens e transportadora aérea –– devem ser internalizados e solucionados entre as mesmas, e NUNCA em prejuízo dos consumidores de passagens aéreas! Pois estes não podem ficar injustamente retidos no meio de um imbróglio entre as duas empresas, sendo sensivelmente prejudicados em suas intenções, necessidades, tempos perdidos, valores financeiros/materiais, etc! Sem se falar em “Danos Morais”, que, por sua opção e eventual cabimento, podem ser pleiteados numa ação judicial indenizatória!!!

Quanto à Jurisprudência pátria, envolvendo pleitos indenizatórios de adquirentes de passagens contra a agência de viagens e a transportadora aérea, há enorme predominância em favor dos Requerentes, com julgamento de PROCEDÊNCIA total (Danos Materiais e Morais), como se vê do julgado abaixo [TJSP – Recurso de Apelação não-provido, mantendo-se in totum a R. Sentença – Proc. 0006887-80.2022.8.26.0114], verbis:-

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PACOTE TURÍSTICO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MATERIAIS E MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Não reconhecimento. Agência de turismo integra a cadeia de fornecimento do serviço, tendo responsabilidade pelos danos decorrentes de inadimplemento de contrato de prestação de serviços. Precedentes. Recurso não provido. DANO MATERIAL. Reconhecimento. Prejuízo que corresponde às quantias pagas para a contratação do pacote turístico, incluindo o seguro viagem. DANO MORAL. Indenização devida. Transtornos e aflições decorrentes do fato, justificadoras da reparação pretendida. Quantum arbitrado mantido, por razoável e compatível com a ofensa. RECURSO NÃO PROVIDO.”

In fine: com relação aos serviços aéreos, a agência de viagens e a companhia  transportadora são empresas prestadoras de serviços, cada qual na sua área de atuação –– a primeira no serviço de  intermediação, divulgação e venda de passagens, e a segunda essencialmente na entrega do serviço de transporte dos passageiros (e subsidiariamente na comercialização de passagens) ––, ambas integrantes de uma mesma cadeia de fornecimento de serviços, com responsabilidade civil objetiva e solidária entre si e perante o consumidor! Assim agindo, tais empresas estarão conformes ao Direito e à Justiça!

Interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas palavras.”

–– Clóvis Bevilaqua ––

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