No Brasil, a aquisição da propriedade de bens imóveis e a constituição de direitos reais (aqueles exercidos sobre coisas) obedecem a um princípio central do ordenamento jurídico: a obrigatoriedade do registro no Cartório de Registro de Imóveis. Esta regra está expressamente prevista no artigo 1.245 do Código Civil, que dispõe: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.” Em outras palavras, o contrato de compra e venda, ainda que celebrado entre partes legítimas e formalmente assinado, não é suficiente para transferir a propriedade perante terceiros, se não for levado a registro.
Nesse contexto, a promessa de compra e venda – quando não registrada – configura apenas um direito pessoal ou obrigacional entre comprador e vendedor. Ou seja, seus efeitos jurídicos se restringem à esfera interna da relação contratual, não gerando a constituição de um direito real sobre o imóvel. Por isso, esse instrumento não tem oponibilidade perante terceiros, o que pode gerar prejuízos significativos, como se verá a seguir.
A ausência de registro pode impactar diretamente na prioridade e na segurança dos direitos envolvidos sobre o bem imóvel. Em caso de disputa envolvendo outros credores ou adquirentes, quem tiver seu direito registrado primeiro terá preferência, mesmo que o seu título seja posterior em data à assinatura de um contrato anterior não registrado. Este é o cerne do princípio da prioridade, consagrado na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), segundo o qual prevalece o direito inscrito em primeiro lugar na matrícula do imóvel, obedecida a ordem cronológica dos protocolos.
Ilustra bem essa situação a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2141417/SC. Neste caso emblemático, uma compradora adquiriu um imóvel comercial por meio de um contrato particular de promessa de compra e venda firmado em 2007. Contudo, não providenciou o registro deste contrato no cartório competente. Em 2009, a construtora vendedora ofereceu o mesmo imóvel em garantia hipotecária a uma imobiliária, e esta hipoteca foi regularmente registrada na matrícula do bem. A compradora somente teve ciência da hipoteca anos depois, em 2018, quando o imóvel foi penhorado em razão da execução judicial contra a construtora.
Apesar das tentativas da compradora de reverter judicialmente a situação, a decisão do STJ foi firme: a hipoteca registrada prevalece sobre a promessa de compra e venda não registrada. Isto porque, na ausência de registro, a compradora não se tornou, juridicamente, proprietária do imóvel, tampouco adquiriu um direito real sobre ele. Seu direito, portanto, não poderia se sobrepor ao da credora hipotecária, que, de boa-fé, registrou sua garantia real em momento posterior, mas de forma válida.
A decisão do STJ reafirma um entendimento já pacificado na doutrina e jurisprudência: no Brasil, “quem não registra, não é dono”. Esta máxima, bastante repetida entre profissionais do direito imobiliário, reflete a importância do sistema registral para a segurança jurídica nas relações patrimoniais. Negligenciar o registro de um contrato que envolve bens imóveis pode acarretar consequências graves, como a perda do imóvel ou a impossibilidade de opor sua aquisição contra terceiros de boa-fé.
A lógica é clara: o registro público cumpre função essencial de publicidade, conferindo segurança e estabilidade às transações imobiliárias. Um terceiro que consulta a matrícula do imóvel e não encontra qualquer registro de promessa de venda presume, legitimamente, que o bem está livre e desembaraçado para novas alienações ou garantias. É com base nessa informação pública e oficial que o mercado opera.
Além disso, o registro não apenas consolida o direito de propriedade, como também impede que o mesmo imóvel seja objeto de negociações conflitantes. Em outras palavras, registrar a promessa de compra e venda não só assegura o direito do comprador, como também evita fraudes, penhoras indevidas e conflitos posteriores.
A decisão do STJ, portanto, deve servir de alerta tanto para compradores quanto para vendedores: celebrar um contrato de promessa de compra e venda sem providenciar seu registro é assumir um risco considerável, especialmente quando a escritura definitiva ainda não foi outorgada. O registro é a única forma de garantir que aquele direito será respeitado por todos, inclusive por terceiros que venham a adquirir ou constituir direitos sobre o mesmo imóvel.
Para os compradores, é fundamental assegurar-se de que o contrato seja levado a registro o quanto antes, preferencialmente com assistência jurídica especializada. Para os vendedores, a regularização da documentação e a transparência nas informações são igualmente importantes, não apenas para evitar litígios, mas também para preservar sua reputação no mercado.
Em resumo, o caso julgado pelo STJ não representa uma inovação, mas sim uma reafirmação de princípios fundamentais do direito registral brasileiro. A ordem jurídica valoriza a publicidade e a segurança das relações patrimoniais, e o registro é a ferramenta essencial para isso. O sistema não protege quem negligencia etapas formais importantes; protege, sim, quem age com diligência e boa-fé, confiando nas informações públicas disponíveis.
Portanto, ao negociar um imóvel, seja como comprador ou como vendedor, é imprescindível certificar-se de que todos os atos estão devidamente formalizados e que os registros cabíveis serão realizados. Esta precaução simples pode evitar dores de cabeça, disputas judiciais e, principalmente, a perda de direitos legítimos. Em matéria de imóveis, o velho ditado permanece verdadeiro: sem registro, não há garantia de propriedade!
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