Justiça aos terceiros adquirentes de boa–fé

Não se há negar a desigualdade social que afeta grande parte da população do Brasil! Para superá-la há que se realizar um esforço gigantesco, visando o bem comum e o desenvolvimento socioeconômico do país. Para tanto, se faz necessário um grande entrelaçamento entre entes públicos e privados, entre governantes e governados, entre empregadores e empregados, com a participação de empresários, empreendedores, profissionais de livre iniciativa, representantes da indústria, comércio, agronegócio, enfim de todos quantos labutam e sonham com dias melhores, para si e para a nação!

Dentro desta conjuntura, os operadores da área jurídica podem ter orgulho! Pois participam exitosamente deste esforço conjunto, seja na elaboração das Leis, seja na aplicação do Direito e da Justiça, com constante adaptação à moderna tecnologia, sempre visando que as normas legais sejam interpretadas e aplicadas de acordo com a realidade social existente. Neste contexto, nós, os Advogados, nos destacamos, pois não há solução dos conflitos humanos e sociais sem o nosso envolvimento e participação!

Uma das molas mestras do desenvolvimento brasileiro sempre foi a construção civil. Após períodos de crise econômica, ou de estagnação como a decorrente da pandemia da Covid-19, já agora sendo superada, essa área ressurge com vigor, produzindo impulsos governamentais e atraindo o interesse das empresas incorporadoras/construtoras e dos cidadãos em geral, alguns necessitados para ocupar as inúmeras vagas de trabalho decorrentes, outros desejosos em adquirir uma nova habitação ou até mesmo realizar o seu grande sonho da casa própria!

Oportunidades surgem, terrenos e glebas são transacionados, condomínios horizontais e verticais são erguidos, e as unidades imobiliárias vão sendo comercializadas, às centenas e aos milhares, especialmente nas grandes e médias cidades! Na ânsia de desenvolver seus projetos e construir suas obras, as empresas incorporadoras contraem empréstimos vultosos junto às diversas instituições financeiras e bancárias, concedendo-lhes em garantia hipotecária os imóveis sob construção, ao mesmo tempo em que efetuam a sua comercialização (geralmente sob a forma contratual de compromisso ou promessa de venda e compra), em que um terceiro interessado –– adquirente, de boa–fé  –– se compromete a pagar o preço em diversas parcelas mensais e ao final do prazo lhe sendo concedida a quitação, com a outorga da escritura definitiva de propriedade do imóvel, livre de qualquer ônus.

Exatamente nessa parte final da contratação é que poderia ocorrer um grave problema. É que muitas vezes a empresa incorporadora descumpre seus compromissos e repasses de contra–prestações assumidos perante a instituição bancária financiadora da construção do empreendimento, no qual se insere a unidade compromissada em venda e compra com o adquirente,  o que implica na impossibilidade da liberação/ cancelamento do ônus hipotecário que grava a aludida unidade. E, por via de consequência, isto geraria um sério prejuízo ao terceiro adquirente de boa–fé, o qual,  para liberar o ônus hipotecário e ficar com o imóvel livre e desembaraçado, arcaria em tese com tal pagamento perante o órgão financiador, assumindo injustamente a responsabilidade de pagar uma dívida original e exclusivamente contraída pela incorporadora/construtora perante o aludido órgão financiador!

Destarte, o terceiro de boa–fé, adquirente de unidade em empreendimento imobiliário, especialmente aquele que bravamente lutou e quitou integralmente o preço contratado, ficaria literalmente “espremido” no meio desse imbróglio jurídico entre a empresa incorporadora/ construtora do condomínio e o banco financiador!

 É quando entra em ação a sábia e majestosa Justiça, para interpretar e aplicar a Lei de acordo com a realidade social existente! Eis que, a fim de proteger os terceiros adquirentes de boa–fé diante de tão injusta situação, o Superior Tribunal de Justiça – STJ editou a Súmula 308, que é de clareza ímpar:- A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes de imóvel.

Portanto, independentemente de a hipoteca entre a construtora e o órgão financiador ser anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda entre o adquirente e a incorporadora/construtora do imóvel, e mesmo constituindo ela um direito real de garantia, impõe-se o seu cancelamento sempre que houver quitação integral do preço. Pois o comprador cumpriu o pactuado (quitando o preço contratado), não tem nenhum vínculo com a instituição financeira e não pode ser prejudicado por uma relação jurídica estabelecida apenas entre a construtora e o agente financeiro!

Destarte, a hipoteca é eficaz, sim, mas tão somente em relação à construtora, não podendo atingir o direito dos compradores, adquirentes de boa-fé, já que não se pode transferir a eles o risco do contrato celebrado entre a construtora e o banco. Ademais, o agente financeiro não poderia gravar os imóveis a serem construídos com ônus hipotecário, uma vez que eles seriam sabidamente vendidos a terceiros que, por certo, não poderão se responsabilizar por duas dívidas: a própria, advinda da compra do bem; e a da construtora, referente ao financiamento para a construção do empreendimento.

De se registrar que são nulas as cláusulas com abusividade em favor do fornecedor de serviços (arts. 39, V, e 51, IV – CDC), aduzindo-se que a “Portaria 03”, de 15/03/2001, da “Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça”, dá por nula a previsão contratual em que o adquirente autorize ao incorporador alienante constituir hipoteca do terreno e de suas acessões para garantir dívida da empresa incorporadora [g.n.].      Confiram-se os dispositivos abaixo transcritos, verbis:-

Código Civil – “Art. 1.418 – O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”.

STJ – “Súmula 239 – O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Ou seja: in casu o Promitente Comprador pode exigir a outorga da escritura definitiva; se houver recusa, pode requerer a adjudicação do imóvel (mesmo que não registrado o compromisso em cartório), operando-se a transmissão da propriedade e a abertura de Matrícula em seu nome no cartório imobiliário competente! Nesse sentido é maciça a Jurisprudência pátria, como se vê do julgado adiante transcrito:-  

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. BEM IMÓVEL. HIPOTECA ENTRE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E CONSTRUTORA. SÚMULA 308/STJ. 1. Nos termos da Súmula 308/STJ, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. 2. Em consonância com esse entendimento, o acórdão recorrido considerou que, uma vez que a dívida em discussão envolve a incorporadora e a instituição financeira, que recebeu o imóvel da primeira em garantia hipotecária, prevalece o direito dos promitentes compradores que quitaram o preço do imóvel. 3. Recurso especial desprovido“. (REsp 331528/RJ, Rel. Ministro RAÚL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2011).” [g.n.]

Destarte, perante o Direito e a Justiça não há qualquer dúvida: firmado o “Compromisso de Venda e Compra” entre o adquirente e a empresa Incorporadora/ Construtora/Vendedora da unidade imobiliária, e findo o prazo contratual com o cumprimento integral das obrigações, especialmente com o pagamento de todas as parcelas mensais pelo Promitente Comprador, a este deve ser concedido o documento de quitação, procedendo-se à liberação/cancelamento do ônus hipotecário e à “Escritura Definitiva de Venda e Compra” em Cartório/Tabelião de Notas, e por fim ao registro da transmissão da propriedade do imóvel para o nome do adquirente, livre e desembaraçado de quaisquer ônus, com a correspondente abertura de Matrícula!

Portanto, quitado o saldo devedor pelo Promitente Comprador, mas ocorrendo a seguir uma  negativa de liberação/cancelamento de hipoteca e/ou qualquer outra alegação que implique em retardar ou impedir a outorga da escritura definitiva de aquisição, o adquirente deve procurar um Advogado, para eventualmente se proceder a uma prévia Notificação Extrajudicial contra a empresa Construtora/Vendedora e contra o agente financiador do empreendimento/credor hipotecário, com prazo exíguo para estes concederem o documento de quitação e liberação de hipoteca, OU para se proceder contra ambos ao imediato ajuizamento da competente “Ação de Adjudicação Compulsória cumulada com Declaratória de Cancelamento de Hipoteca”.

Que, após algum tempo, certamente será julgada com uma decisão da Justiça inteiramente a favor do adquirente!!!     

 

Não basta que todos sejam iguais perante a lei.

É preciso que a lei seja igual perante todos!

–– Salvador Allende ––

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