A fraude na dissolução da união estável ou no divórcio, através de interposta (terceira) pessoa

O “uso” de uma terceira pessoa no intuito de ocultação patrimonial quando da partilha de bens, causada pelo fim do casamento ou da união estável, é infelizmente uma prática corriqueira nos processos judiciais litigiosos que envolvem a divisão de bens.

Esclarece-se, primeiramente, que o presente tema consiste em breve recorte no tema da “fraude no Direito de Família” como um todo, visto que são inúmeros os tipos de fraudes que podem ser identificadas não somente nas relações familiares, mas também nas sucessórias.

No presente caso, o enfoque está na fraude praticada por um dos cônjuges/companheiros quando da finalização (judicial) da relação, momento em que geralmente a partilha de bens é feita, logicamente quando existem bens comuns, adquiridos na constância da união e que devem ser partilhados, segundo o regime de bens adotado pelo casal.

Contudo, não se mostram incomuns os diversos tipos de manobras utilizadas por um dos cônjuges em processos litigiosos de término das relações conjugais ou de união estável, mediante a tentativa de verdadeira ocultação do patrimônio partilhável, em prejuízo ao outro ex-cônjuge/ex-companheiro.

A “fraude”, resumidamente, pode ser caracterizada como verdadeiro subterfúgio e manobra utilizada para alcançar um fim ilícito, e, em processos que envolvem partilhas de bens decorrentes do fim do relacionamento, ela pode ser identificada de diversas formas, porém de modo muito característico.

A fraude praticada sobre a partilha de bens do casal pode se revelar mediante a constituição de empresas/pessoas jurídicas por um dos cônjuges, no intuito de “desviar” o patrimônio comum, na sucessão empresarial, a exemplo da simulação de negócios jurídicos por um dos  cônjuges/companheiros e transferências de cotas sociais das quais o outro ex-cônjuge (lesado) teria participação na partilha, ou mesmo a fraude praticada através de uma terceira pessoa, entre tantas outras manobras possíveis.

A fraude mediante a utilização de uma terceira pessoa, no Direito de Família e especialmente em divórcios/uniões estáveis, muitas vezes está ligada ao “empréstimo” do nome e da capacidade civil por um “terceiro” de confiança de um dos cônjuges, e que tenha proximidade com o fraudador, visto que para estes casos logicamente se mostra mais acessível para o autor do ilícito encontrar um cúmplice, ou alguém que se disponha a “ajudá-lo”, na tentativa de fraudar a partilha de bens.

Muitas vezes, existe a participação de terceiros em negócios jurídicos totalmente fictícios, para infringir a meação do companheiro ou cônjuge violado. Mas, logicamente, a ocorrência do ato fraudulento precisa ser provada!

Ou seja: a legislação civil exige a prova de que este terceiro detinha conhecimento de toda a manobra utilizada pelo fraudador, no intuito de afastar a meação pertencente ao seu anterior parceiro, já que o Direito Civil brasileiro permanece a proteger o terceiro adquirente de boa-fé, devendo ser comprovado que o cônjuge e o terceiro contracenaram no intuito de lesar o outro cônjuge.

No Direito de Família, especialmente em situações em que os ex-parceiros estão em acirrado conflito após a separação de fato, ou seja, em que o término da relação de fato já ocorreu, mas judicialmente ainda não, a utilização de amigos e familiares pelo cônjuge/companheiro fraudador é prática comum, e muitas vezes se misturam a troca de favores pessoais entre eles.

A ideia na utilização de terceiros para fraudar a meação é de, basicamente, afastar bens e recursos que seriam objeto da partilha, e então destiná-los, de forma fraudulenta, em nome de interpostas pessoas, o que também é muito comum em casos de devedores de alimentos, que por vezes têm execuções frustradas em seu próprio favor, por desviarem parte de seus ganhos à interpostas pessoas.

O ponto é que a identificação desta modalidade de fraude não é uma tarefa fácil, exatamente por envolver terceiros, alheios aparentemente à relação matrimonial/de união estável propriamente dita, e que não fazem parte do processo.

Portanto, compete tanto aos advogados, na posição de defensores das partes, como também aos juízes, a apuração minuciosa das alegações de fraude nos processos de divórcio/dissolução de união estável, bem como das provas  apresentadas, visto que a sua configuração tem como resultado o retorno da configuração patrimonial ao real e inicial estado em que se encontrava, visto a  ocultação de bens pela falsa aparência acordada entre o terceiro e o fraudador, de que aquele patrimônio não faria parte da partilha.

Contudo, e por fim, aponta-se que as ferramentas disponíveis pela legislação civil, para se apurar a fraude utilizando-se de interposta pessoa, ainda são escassas, e, diferentemente da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica,  que é permitida em casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, a identificação do “uso” de uma terceira pessoa torna-se, e há tempos o é, um evento manifestamente desafiador para o Direito de Família brasileiro, especialmente no que toca às ações de divórcio e dissolução de união estável.

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