Nas últimas semanas veio ao noticiário a conclusão de um julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o qual reconheceu a constitucionalidade do processo de retomada de imóveis estatuído pela Alienação Fiduciária. Mas, o que é isso?
Não é de hoje que o Estado reconhece a ineficiência e, até mesmo, a morosidade do Poder Judiciário – que, antecipo, não é culpa (exclusiva) deste órgão, subdimensionado e cuja dotação orçamentária, quando não é só pouca, tem destinações, digamos, erráticas.
E essa morosidade gera custo: cada dia que o credor demora para receber o que lhe é de direito impacta no seu cálculo de risco, de juros, de investimento no país. Se a demora custa caro, imagina a do Poder Judiciário, que nunca tem prazo para se concluir!
Foi nesse movimento que, em 1997, se trouxe ao Brasil a alienação fiduciária em garantia, modernizando as funções e utilidades já existentes na hipoteca imobiliária e cujas principais atrações seriam a segurança do credor e a celeridade na retomada do bem em caso de inadimplência.
E foi esse último aspecto que, finalmente, foi julgado pelo STF: é válida a execução da alienação fiduciária pela via extrajudicial ou, se preferirem, é lícito ao credor retomar o imóvel alienado desta forma sem precisar da intervenção do Estado-Juiz para tanto.
Isso, todavia, não afasta a existência de um processo (administrativo), menos ainda o direito de defesa e, se necessária, a intervenção do Poder Judiciário. Para entender isso, é importante entendermos essa ferramenta como um todo e compreender que ela foi pensada para funcionar e se resolver, pelo pagamento ou cobrança da dívida, perante o Registro Imobiliário.
Quando se decide negociar um imóvel com pagamentos parcelados, vendedor e comprador – mais aquele do que este, é verdade –, sendo o mais correto a realização desta transação por escritura pública que seja levada a registro no Cartório de Imóveis, indicando nesse ato como o pagamento foi ou será feito, quais as garantias dessa operação, taxas de juros, multas e demais condições desse negócio.
Mas, espere: se levarmos a registro a venda e compra parcelada, o comprador passa a ser dono do imóvel, mesmo não tendo pagado o preço total? E se deixar de honrar suas obrigações?
É aqui que a alienação fiduciária mostra sua beleza: junto do registro desta venda e compra, o comprador – e novo “proprietário” do bem – transfere “de volta” a propriedade ao credor fiduciário, vinculando essa “transferência” ao pagamento do preço acordado entre eles, recebendo-a de volta assim que pagar integralmente o quanto combinado.
De forma prática – e desde já alertando que se trata de um exemplo, portanto, não exata expressão dessa ferramenta –, a Alienação Fiduciária trouxe para o registro aquilo que muitos vendedores já faziam por meio de “contrato particular”, dando a posse ao comprador com a assinatura do contrato, mas deixando a escritura e a transferência da propriedade apenas para quando quitado o preço combinado.
Poderíamos citar diversos benefícios desta operação – indiscutivelmente mais segura a todos os envolvidos que o “contrato particular” – mas vamos focar naquilo que foi objeto de decisão pelo STF, isto é, a retomada do imóvel do inadimplente.
Registrada a alienação fiduciária, caso o devedor atrase a pagar qualquer das parcelas combinadas, o credor pode instaurar um procedimento perante o Cartório de Registro de Imóveis onde foi registrada a transação (e onde o imóvel está registrado), indicando o valor da dívida, a(s) parcela(s) em atraso e seus acréscimos contratuais, requerendo que o devedor seja intimado a pagar a obrigação, sob pena de se consolidar a propriedade em nome do credor – ou seja, ser o imóvel retomado.
Note, caro leitor, que essa retomada não é arbitrária, muito menos feita sem a participação do devedor: é requisito essencial a intimação dele para pagar a dívida no prazo de 15 dias, antes que se possa falar em consolidação da propriedade.
E, obviamente, tendo justo motivo e/ou argumentos relevantes, o devedor poderá questionar essa intimação, tanto perante o Cartório de Registro de Imóveis, quanto perante o Poder Judiciário, defendendo-se do pedido de cobrança realizada.
Exatamente por essas razões que o Supremo Tribunal Federal considerou válido esse procedimento: ainda que sem a intervenção do Poder Judiciário é assegurado ao devedor não só a possibilidade de se defender, mas também de buscar a Justiça, caso entenda-se prejudicado ou ilegal o pedido realizado pelo credor.
Agora, se o devedor, ciente da sua dívida e do seu não pagamento, não acionar o Poder Judiciário, obviamente, perderá a propriedade do bem – não por faltar-lhe acesso à Justiça, mas sim por ter descumprido o contrato assinado.
Por isso, caro leitor, vale a pergunta: será mesmo relevante, nessa decisão do Supremo Tribunal Federal, a convalidação desta regra? Ou deveríamos nos assustar por termos demorado mais de 25 anos para tanto?

Advogado sócio da Advocacia Hamilton de Oliveira. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS). Formado em Processamento de Dados e Mecatrônica pelo Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em Gestão Estratégica na Advocacia pela Escola Paulista de Direito (EPD). Relator da 17ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas (OAB Campinas – Gestão 2019 – até a presente data). Vice-Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas (OAB Campinas – Gestão 2019-2021). Presidente da Comissão de Direito Contratual da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas (OAB Campinas – Gestão 2022-2024).
Tem dedicado sua prática à área do Direito Civil, Empresarial e Contratual.