Já não é de hoje que sabemos que o Judiciário – por mais gigantesco e infinito sejam seus recursos – não dá conta de resolver de forma célere e satisfatória todos os embates e discussões jurídicas na nossa sociedade, gerando um interminável conflito entre o impedimento da autotutela – essencial à vida em uma sociedade civilizada – e a necessidade de alternativas justas à intervenção estatal.
A separação entre direitos disponíveis, que as partes podem negociar livre e diretamente, e os direitos indisponíveis ou socialmente relevantes – para os quais se impõe a intervenção do Estado-Juiz –, há muito já se mostrou insuficiente para mitigar a avalanche de demandas que assolam o Poder Judiciário, que hoje conta com mais de 80 milhões de processos em tramitação, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Estímulo à negociação prévia entre as partes, serviços de reclamação pré-processual, processos com tramitação sumária e juizados especiais com sistemas recursais próprios, tribunais de arbitragem, e até mesmo outorga de parte das atividades judiciárias aos Cartórios de Notas, são exemplos dos esforços já realizados para “tirar” do Poder Judiciário aquelas demandas que podem (e devem) ser resolvidas pelas partes diretamente.
No último dia 20/08/2024, o CNJ deu mais um passo importante nesse sentido, autorizando a realização de divórcios e inventários consensuais, que envolvam menores ou incapazes, perante os Cartórios de Notas, ampliando as hipóteses previstas desde 2007 pela Lei Federal nº 11.441, e abarcando a evolução já ocorrida em grande parte da jurisprudência pátria.
Até essa mudança – e ressalvadas essas decisões judiciais pontuais e progressistas –, somente os divórcios e inventários entre maiores e capazes, ou seja, casais sem filhos ou inventários que não envolvessem menores ou incapazes, tinham essa possibilidade, sendo certo que desde 2007 muitas vozes já se levantavam questionando a utilidade desta restrição.
Afinal, ainda que óbvio que os direitos de menores e incapazes – e, mais que isso, as questões de guarda, visitas e pensão de filhos nessa situação –justificassem a intervenção do Poder Judiciário, esta atuação era praticamente “protocolar” ou “homologatória” daquilo que as partes, que já não litigavam entre si, apresentavam como solução da questão.
Não se está, aqui, minimizando a importância da proteção destes direitos – os menores e incapazes muitas vezes não tem voz ou conhecimento/capacidade de entender o que está sendo realizado, com evidente risco de serem prejudicados nesse processo; todavia, tais medidas podem e serão exercidas, inicialmente, pelo próprio Tabelionato de Notas, a quem caberá, inclusive, noticiar ao Ministério Público estas situações.
Especificamente nos divórcios com menores/incapazes, por exemplo, será ainda exigido que se demonstre a solução prévia das questões atinentes à guarda, visitas e alimentos pela via judicial; nos inventários com igual situação, deverá ser garantida a partilha igualitária aos herdeiros, sendo ainda remetida a escritura ao Ministério Público para sua fiscalização, podendo esta ser impugnada por injustiça na divisão ou suspeita de prejuízo, instaurando-se processo judicial a partir deste momento.
Ainda sobre os inventários, infelizmente nem tudo são flores: o CNJ, ao redigir o texto que permite a participação de menores e incapazes, acabou por criar um gravíssimo desincentivo: só poderão ser feitas partilhas de bens em frações ideais, ou seja, todos os herdeiros terão que receber partes iguais de todos os bens do inventário, não admitindo a partilha cômoda, onde se busca (quando possível) individualizar os bens recebidos por cada herdeiro.
Tira-se, pois, com uma mão os processos do Judiciário e, com a outra, se recoloca iguais demandas, já que futuras vendas destes bens exigirão autorização judicial para tanto. Seria isso mesmo necessário?
Essa novidade pode parecer um pálido paliativo à morosidade do Poder Judiciário; entretanto, me parece atingir o objetivo em um dos momentos que mais sofrem os jurisdicionados: um divórcio ou a perda de um ente querido!
Ainda que não se tenha qualquer disputa entre os envolvidos, estes não são momentos fáceis e certamente são tomados por emoções latentes e sensibilidades muitas vezes exacerbadas, sendo muito importante que se possa encerrar rápida e seguramente essa página da vida dessas pessoas, permitindo que o processo de cicatrização emocional comece a acontecer.
E, para que tudo isso aconteça de fato, o advogado – como conselheiro, orientador e guia fiel nesse emaranhado jurídico – torna-se ainda mais essencial! Afinal, quem, se não esse profissional, poderá buscar, racionalizar e apresentar as melhores alternativas aos seus clientes, evitando tornar litigiosa – e infinitamente mais demorada – uma situação tão dolorosa?
É essa a nossa principal função nessas horas: traduzir em fatos e direitos, com presteza, aquilo que a emoção e a história pessoal transformaram em briga e disputas, não poucas vezes sem qualquer divergência, apenas dor, entre as partes!…
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