A aplicação do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ no processo do trabalho

Recentemente, em inovadora decisão, a Justiça do Trabalho do TRT da 3ª Região – MG afastou o vínculo de emprego pretendido de forma absurda por um homem contra sua ex-companheira, aplicando ainda, multa por litigância de má-fé, sob o enfoque da perspectiva de gênero.

Resumidamente, no caso, o autor permaneceu na casa da ex-companheira executando tarefas do lar e cuidando do filho da mulher, por aproximadamente um mês, enquanto ela viajava para o exterior e, após o fim do relacionamento, ajuizou Reclamação Trabalhista pretendendo o reconhecimento do vínculo de emprego, o que foi sumariamente negado pela 4ª Vara do Trabalho de Uberaba – MG.

O juízo sabiamente entendeu que a situação ocorreu em razão do relacionamento existente, comprovado através de testemunhas, que havia ânimo de continuidade e constituição de família, mas nunca decorrente de eventual vínculo de emprego.

Não obstante a situação bizarra narrada, o que também chamou a atenção foi a aplicação do Protocolo lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021, cuja aplicação tornou-se obrigatória no Judiciário à partir de março de 2023, que determina a aplicação da perspectiva de gênero nos julgamentos, a fim de se preservar o direito à igualdade e à não discriminação, evitando a repetição de estereótipos e a perpetuação de diferenças.

O ilustre Magistrado do caso ainda multou o autor da ação por litigância de má-fé, sob o entendimento de que “O reclamante se aproveitou de seu relacionamento com a reclamada para obter vantagem ilícita, revelando um aspecto curioso da problemática da assimetria de gênero, em que um homem se sente à vontade para cobrar de uma mulher o pagamento pelos serviços domésticos prestados no curso do relacionamento, como se fosse inadmissível a ideia de que tais atribuições pudessem ser compatíveis com a performance da sua masculinidade”.

Trata-se de um raro e feliz caso em que foi aplicado o Protocolo Para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, lançado pelo CNJ a fim justamente de mitigar práticas exploratórias e assimétricas entre o homem e a mulher.

O instrumento representa um avanço significativo na busca por uma justiça mais equitativa e sensível às questões de gênero no Brasil. Essa iniciativa é particularmente relevante no contexto do Direito do Trabalho, onde as desigualdades de gênero frequentemente se manifestam de maneira marcante.

A ferramenta é um guia que visa orientar magistrados e servidores do Poder Judiciário na análise de casos judiciais sob a perspectiva de gênero, em que se destaca a necessidade de considerar as diferenças de gênero e as desigualdades existentes na sociedade ao proferir decisões judiciais.

O mecanismo enfatiza a importância de garantir que as decisões judiciais sejam justas e imparciais, levando em conta a situação específica de mulheres, homens e pessoas não binárias envolvidas em litígios.

No âmbito do Direito e Processo do Trabalho, a aplicação do Protocolo é fundamental para abordar questões de desigualdade de gênero no local de trabalho, destacando-se algumas maneiras pelas quais o Protocolo pode ser aplicado no contexto laboral:

  1. Discriminação de gênero no emprego: O Protocolo pode ser utilizado para avaliar casos de discriminação de gênero no recrutamento, promoções e demissões. Ele exige uma análise minuciosa para garantir que as decisões judiciais não perpetuem estereótipos de gênero ou preconceitos.
  2. Igualdade salarial: No processo do trabalho, a desigualdade salarial entre homens e mulheres é uma questão comum. O guia pode ajudar os juízes a examinar as disparidades salariais com uma lente de gênero, assegurando que as mulheres sejam remuneradas igualmente por trabalho de igual valor.
  3. Assédio sexual e moral no trabalho: O documento pode ser aplicado na análise de casos de assédio sexual e moral no ambiente de trabalho, garantindo que as vítimas sejam devidamente protegidas e que os agressores sejam responsabilizados.
  4. Licenças maternidade e paternidade: Em casos envolvendo licenças maternidade e paternidade, o Protocolo pode ser usado para garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e que não haja discriminação com base no gênero.

Há ainda uma gama repleta de situações em que o Protocolo é aplicável, não somente no Direito/Processo do Trabalho, mas também no âmbito de todas outras as disciplinas que norteiam o Direito como um todo.

O instrumento se mostra fundamental para promover a igualdade de gênero no ambiente de trabalho e combater a discriminação não só entre as relações jus-laborais, mas também em todos os outros aspectos onde há evidenciada discrepância ou abuso decorrente do gênero.

Os magistrados e servidores do Poder Judiciário desempenham um papel crucial na garantia de que as decisões judiciais reflitam uma visão equitativa das questões de gênero, e tal ferramenta auxilia o sistema judiciário a contribuir para a construção de um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo para todos, independentemente do gênero.

Compartilhar

Artigos relacionados

Erronias do Poder Público no Brasil

Despejo de empresa em recuperação judicial deve prevalecer

Contato

Rua Sacramento, 126, 17º andar,
Centro, Campinas, SP
13010-911

Convênio com o Estapar Condomínio Cruz Alta, Rua Barão de Jaguara, 1481