De início há que se esclarecer que, sendo a “A.H.O.” uma sociedade empresarial advocatícia, os artigos redigidos por seus autores – modernamente conhecidos como blogs –, têm por óbvio um conteúdo eminentemente jurídico, abordando temas da atualidade referentes às variadas normas legais e suas constantes alterações, à aplicação do Direito e da Justiça pela processualística e pela jurisprudência, relacionados às novidades e problemáticas jurídicas, especialmente neste nosso mundo globalizado e tecnológico. E o presente blog aborda fatos históricos ocorridos há muitos anos, entrelaçados com aspectos jurídicos atinentes aos brasileiros envolvidos.
Mas o fazemos com um duplo sentimento. Por primeiro: sentir que a juventude e os brasileiros em geral desconhecem a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial e que poderia lhes transmitir alguns conhecimentos neste sentido. Por segundo: em 2025 está ocorrendo precisamente o aniversário de 80 (oitenta) anos do fim daquela terrível guerra, e através deste blog poderíamos ainda neste ano homenagear os heróis brasileiros que participaram e lutaram tão bravamente pela vitória da Liberdade e da Democracia!
Caros leitores e jovens colegas advogados: vocês sabem algo sobre as razões da 2ª Guerra Mundial, as nações e líderes envolvidos, os números do conflito? Sabem por que e como o Brasil participou? Qual é o significado da sigla FEB? O que é um “pracinha”? O que simboliza “uma cobra fumando um cachimbo”? Já ouviram a expressão popular “a cobra vai fumar”? Sabem o que significa “senta a pua”? Então, vejamos.
I –– Segunda Guerra: Resumo –– Números
Na Europa, nos idos de 1939 e seguintes, a Alemanha (com seu líder nazista Adolph Hitler) e a Itália (com seu líder fascista Benito Mussolini) se uniram ao Japão, formando o chamado “Eixo”, por razões de expansionismo na Europa e na Ásia; em 01/09/1939 a Alemanha iniciou a guerra, atacando e invadindo a Polônia e posteriormente a França; atacou a Inglaterra (por aviação) e invadiu a União Soviética (Rússia, etc); na Ásia o Japão atacou e ocupou diversos países (China, Coréia, etc), e atacou a base naval americana de Pearl Harbor no Havaí, em 07/12/1941; imediatamente os Estados Unidos entraram na guerra (Presidente: Franklin D. Roosevelt) , formando aliança com a Inglaterra (Ministro: Winston Churchill) e a União Soviética (Rússia mais 15 repúblicas – Ministro: Joseph Stalin); a partir de 1942/43 a Alemanha (na Europa) e o Japão (na Ásia – Pacífico) foram sendo rechaçados; em 06/06/1944 americanos, ingleses e canadenses procederam ao famoso desembarque de tropas na França ocupada (Normandia) e partiram para a invasão da Europa pelo oeste, rumo à Alemanha; concomitantemente os soviéticos (russos) investiam pelo lado leste em direção da Alemanha; o norte da África e a Itália já sob domínio militar dos americanos; e em 08/05/1945 consumou-se a rendição da Alemanha, com os Aliados celebrando o “Dia da Vitória”! Na “Guerra do Pacífico”, com os lançamentos pelos americanos das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki (em 06 e 09/08/1945), ocorreu a rendição do Japão em 14/08/1945. Esta foi a maior guerra da Humanidade (60 a 70 milhões de mortos: 27 milhões na Rússia, 20 milhões na China, 5,5 milhões na Alemanha e igualmente na Polônia, 02 milhões no Japão, 06 milhões de judeus pelo “Holocausto”)!…
II –– Participação do Brasil na Guerra –– Origem e Atuação da F.E.B.
Desde 1930 o Brasil estava sob a ditadura de Getúlio Vargas, tentando fazer transformações sociais e econômicas no País, sair do exclusivismo do setor agrícola e ingressar na era industrial, para o que procurava se relacionar bem com as potências econômicas. Ao ecoar a Segunda Guerra, procurou manter neutralidade econômica e diplomática entre a Alemanha nazista / Itália fascista de um lado, e as potências democráticas aliadas de outro (Inglaterra, França, Estados Unidos).
Mas em meados de 1942 submarinos alemães atacaram e afundaram vários navios da Marinha Mercante brasileira, matando cerca de 1.500 pessoas, gerando revolta e indignação em todos os setores nacionais, e levando o Brasil em 22/08/1942 a romper a neutralidade, declarando guerra aos países do “Eixo” (Alemanha, Itália e Japão) e apoio aos países Aliados (EUA, Inglaterra e União Soviética/Rússia). Em encontro realizado em Natal–RN, o presidente brasileiro Vargas negociou com o americano Roosevelt um esforço de guerra conjunto, resultando o incremento da produção e fornecimento de borracha do Brasil para a fabricação de material bélico pelos EUA, e a cessão do porto e base naval de Natal e da ilha de Fernando de Noronha para utilização pelos americanos, para suas operações militares no norte da África. Em troca, o Brasil obteve a criação da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN em Volta Redonda–RJ, considerada o berço da industrialização nacional.
O Brasil também se comprometeu a constituir e enviar tropas para atuar no teatro de operações de guerra da Itália. Ao sul deste país, os próprios italianos já estavam se revoltando contra o governo fascista, e em Julho/1943 o ditador Benito Mussolini foi deposto e preso, com rendição incondicional aos Aliados em 08/09/1943. Porém, os alemães ocuparam o norte da Itália, libertaram Mussolini e o instalaram na chefia do governo de uma fantoche “República Social Italiana”, o que levou à luta dos Aliados para a libertação da citada região norte.
À mesma época – aos 09/08/1943 – foi criada a “Força Expedicionária Brasileira – F.E.B”, sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Morais, integrada ao 5º Exército americano (comandado pelo general Mark Clark). Era composta por 25.900 homens, distribuídos entre forças do Exército (Divisão de Infantaria completa, com 03 Regimentos; Reg. de Artilharia; Batalhões de Engenharia e de Saúde; unidades de apoio e de reconhecimento, etc); da Aeronáutica (esquadrilhas de ligação e esquadrão de caças) e Marinha (participantes da Batalha do Atlântico, desde meados de 1942 até o fim – 1945). Todo este contingente tinha um número restrito de mulheres, mas, por outro lado, era a única força miscigenada não oficialmente segregacionista entre as tropas aliadas combatentes na Europa! E foi o único país sul-americano a enviar tropas de combate ao exterior durante a Segunda Guerra Mundial!
A viagem para Itália do 1º grupo do contingente brasileiro ocorreu em Julho/1944, e já em Setembro/1944 a FEB entrou em ação, permanecendo ininterruptamente em combate cerca de 08 meses (precisamente 239 dias), até a rendição oficial das forças alemãs (02/05/1945)! Mortos em combate foram 467 homens do Exército, mais 05 pilotos da Força Aérea, e mais cerca de 2.000 em decorrência de ferimentos em combate. E ainda 12.000 baixas por diversas mutilações e/ou causas incapacitantes para a continuidade no campo de batalha.
Ao final da campanha, a FEB havia percorrido mais de 400 kms., libertando dezenas de vilas e cidades, aprisionando 20.573 soldados inimigos (inclusos 02 generais e 900 oficiais), apreendendo 80 canhões, 1.500 viaturas e 4.000 cavalos! Dentre suas principais batalhas e vitórias constam:- Massarosa, Camaiore e Monte Prano (setembro/1944); Monte Castelo (estratégica, por romper a linha Gótica, uma das últimas linhas da defesa alemã – 21/02/1945); Zocca (abril/1945); Montese (batalha sangrenta, com muitas baixas – 14-17/04/1945; seu povo celebra a vitória todo ano no mês de Abril, na “Piazza Brasile”, com as crianças e estudantes cantando, em português, a “Canção do Expedicionário”!); Fornovo di Taro (captura integral da 148ª Divisão Alemã por uma força aliada, feito único na 2ª Guerra Mundial, realizado pela FEB – 1ª Divisão Brasileira, aprisionando 15.079 soldados alemães – 29/abril/1945).
III –– Associações de Ex-Combatentes –– Luta pelos Direitos – Legislação
Em 1942 foi criada por Darcy Vargas (1ª dama, esposa do Presidente Getúlio Vargas) a organização assistencial “Legião Brasileira de Assistência – LBA”, para auxílio às famílias dos soldados brasileiros durante a guerra. Mas após o fim da guerra, esta entidade passou a prestar assistência social geral para famílias necessitadas em todo o país, desvinculando-se daquele seu objetivo original. E as autoridades militares brasileiras da época não efetuaram nenhum planejamento para uma política de assistência e reintegração social dos seus veteranos de guerra, cuja grande maioria era composta por cidadãos civis sem qualificação profissional de maior capacitação.
Foi então que passaram a nascer e crescer as “Associações de Ex-Combatentes” (como a “Associação dos Expedicionários Campineiros” – Fundação: 28/10/1945 – Rua Falcão Filho, 96 – Campinas–SP), a funcionar como único ponto de apoio aos veteranos. Contudo, as suas lideranças discutiram muitos anos sobre se deveriam buscar participação na política nacional ou se ater às reivindicações próprias como veteranos de guerra. E uma outra discussão sobre eventuais benefícios passou a ocorrer, entre os veteranos que não haviam estado nas campanhas da Itália ou do Atlântico (inclusos aqueles haviam servido no território nacional), formando-se uma rixa entre veteranos que tiveram participação ativa nas campanhas – na Itália (Exército) ou no Atlântico (Aeronáutica e Marinha) – e aqueles que serviram na retaguarda.
Alguns fatos alvissareiros ocorreram nos anos 1.950/60, como o acesso ao funcionalismo público para os ex-combatentes não analfabetos (o que excluía um número apreciável de veteranos), e a construção de um Conjunto Habitacional para ex-combatentes (no Bairro de Benfica–RJ – início da década de 1960). Mas aqueles que não conseguiam se readaptar à vida civil passavam a depender da caridade alheia ou do auxílio das próprias Associações de Ex-Combatentes!… Merece destaque a construção do “Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial”, abrigando os restos mortais de 462 soldados brasileiros falecidos nos campos de batalha da Itália, idealizado pelo Marechal Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB (Aterro do Flamengo–RJ, inaugurado em 05/08/1960).
A concessão de benefícios legais começou a ser efetivada somente com a Constituição de 1967 – 24/01/1967, quando todos os veteranos brasileiros sobreviventes da Segunda Guerra passaram a ter alguns direitos, conforme disposição do seu art. 178, verbis:- “Ao ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e Marinha Mercante do Brasil que tenha participado efetivamente de operações bélicas na Segunda Guerra Mundial são assegurados os seguintes direitos: a) estabilidade, se funcionário público; b) aproveitamento no serviço público, sem a exigência do disposto no art. 95, § 1º; c) aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, se funcionário público da Administração centralizada ou autárquica; d) aposentadoria com pensão integral aos vinte e cinco anos de serviço, se contribuinte da previdência social; e) promoção, após interstício legal e se houver vaga; f) assistência médica, hospitalar e educacional, se carente de recursos.”
Pouco após, aos 12/09/1967, foi editada a Lei Federal nº 5.315, regulamentando o artigo 178 da C.F.–1967, estabelecendo critérios e regras para definir quem são os ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, para efeitos de concessão de direitos e benefícios, já dispondo em seu “Artigo 1º:- Considera-se ex-combatente, para efeito da aplicação do artigo 178 da Constituição do Brasil, todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente.”
Decorridos 21 anos, com a promulgação aos 05/10/1988 da atual Constituição Federal, foi assegurada a fundamentação constitucional dos direitos dos ex-combatentes, constante do “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” em seu Art. 53, verbis:- “Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos: I – aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade; II – pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção; III – em caso de morte, pensão à viúva ou companheira ou dependente, de forma proporcional, de valor igual à do inciso anterior; IV – assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes; V – aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, em qualquer regime jurídico; VI – prioridade na aquisição da casa própria, para os que não a possuam ou para suas viúvas ou companheiras. Parágrafo único. A concessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida ao ex-combatente.”
A seguir foi editada a Lei nº 8.059, aos 04/07/1990, para regulamentar a pensão especial devida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e seus dependentes, conforme previsto na Constituição/1988 –– ADCT, art. 53, detalhando quem são os dependentes, o valor da pensão (correspondente à de segundo-tenente) e as condições para sua concessão e reversão, como a inacumulabilidade com outros rendimentos públicos (exceto benefícios previdenciários).
Assim, após ter enfrentado batalhas duríssimas na Itália, cumprindo com muita honra os seus deveres, os nossos expedicionários tiveram que travar em solo pátrio, por muitos anos, muitas outras lutas, de caráter social, administrativo e jurídico, para ver finalmente reconhecidos e aplicados em seu favor os seus direitos, legitimamente adquiridos!
IV –– Conclusão
Já com boas noções sobre os fatos históricos e os números da Segunda Guerra, a participação do Brasil, a atuação da gloriosa “Força Expedicionária Brasileira – FEB” e os direitos dos Ex-Combatentes, vamos agora ao significado de algumas palavras e expressões.
Os nossos expedicionários eram chamados de “pracinhas”, termo derivado da ação de “sentar praça”, que se popularizou no meio militar como o ato de se alistar nas Forças Armadas, sendo usado em relação aos soldados rasos de baixa patente como uma expressão carinhosa e popular. Foi amplamente utilizado pela imprensa e pelo povo, para se referir aos militares brasileiros em luta na Itália, tornando-se um símbolo nacional!
O símbolo da FEB é uma cobra fumando um cachimbo! A explicação mais plausível para esta figura é que muitos por aqui diziam que os brasileiros não tinham coragem nem capacidade militar, e que só iriam para a guerra “no dia em que uma cobra fumar” !… Pois bem: a guerra chegou, os “pracinhas” foram à luta –– o distintivo com a cobra fumando costurado no uniforme, na altura do ombro –– e quando a batalha se aproximava, diziam em coro, qual torcida organizada: “A cobra vai fumar”! E “a cobra fumou”, esplendidamente!!!
“Pua” é a ponta afiada de uma espora, e “senta a pua” é expressão usada no nordeste brasileiro para ‘apressar o animal – para ‘avançar com rapidez’. O 1º Grupo de Aviação de Caça o adotou como grito de guerra. A Força Aérea Brasileira–FAB (recém–criada em 20/01/1941) o incorporou como símbolo de coragem ! E foi assim que a FAB “sentou a pua”!!!
De se acrescentar que ainda há alguns sobreviventes entre os Ex-Combatentes da FEB. Pois à época da guerra eles eram jovens, com cerca de 20 e poucos anos, e presentemente estão com 100 ou mais anos de idade (em Julho/2024 o Censo Permanente da Casa da FEB registrava 56 veteranos vivos, e em Maio/2025 a estimativa já baixou para 43).
Por último, há que se fazer menção especial à maravilhosa “Canção do Expedicionário”, originada de concurso público em 1944, com música monumental composta pelo maestro paulistano Spartaco Rossi (1904/1983) e letra magnífica do célebre poeta e escritor campineiro Guilherme de Almeida (1890/1969 –– membro da Academia Brasileira de Letras) , expressando patriotismo e amor à terra natal e exaltando as regiões e origens brasileiras! Por isto e por tudo o mais, encerramos estas linhas com a letra da 1ª estrofe e do refrão desta linda canção:
Você sabe de onde eu venho? / Venho do morro, do engenho / Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco / Da choupana onde um é pouco / Dois é bom , três é demais …
Venho das praias sedosas / Das montanhas alterosas / Do pampa, do seringal ,
Das margens crespas dos rios / Dos verdes mares bravios / Da minha terra natal !
Por mais terras que eu percorra / Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá,
Sem que leve por divisa / Esse “V” que simboliza / A vitória que virá !
Nossa vitória final / Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal / A água do meu cantil,
As asas do meu ideal / A glória do meu Brasil !
Convênio com o Estapar Condomínio Cruz Alta, Rua Barão de Jaguara, 1481