A implementação da Medida Provisória 873/2019 gerou inúmeras discussões quanto à sua legitimidade e constitucionalidade. Explico: com o advento da Lei 13.467/2017(Reforma Trabalhista), foi extinta a obrigatoriedade da contribuição sindical para aqueles trabalhadores que não estivessem filiados ao sindicato de sua categoria. A nova medida apenas formaliza que, em caso de contribuição, esta deverá ser requerida individual e expressamente pelo empregado interessado.

Isso porque, a partir do momento em que a contribuição se torna facultativa, o sindicato se posiciona à mercê dos empregados, refletindo a fragilidade da estrutura sindical brasileira que é, em consequência, a causa maior da promulgação da MP 873/2019.

O sindicalismo está vivendo o estágio iminente da comprovação de sua importância na defesa dos interesses dos trabalhadores, e da real necessidade de sua representatividade, uma vez que o enfraquecimento do movimento é cada vez mais notório no cenário político atual.

Isto posto, temos que o direito à livre associação, conferido pelo artigo 8º da Constituição Federal, e o condicionamento da autorização individual para o desconto sindical, conferido pelo artigo 579 da CLT, fomentam a autonomia do obreiro e descaracterizam o movimento.

Frente ao cenário atual, quais medidas poderiam ser adotadas pelos sindicatos para que não caiam em desuso? Primeiramente, entender que eles são representantes de uma categoria. Consequentemente, devem, por ela, defender seus interesses, e não impor suas vontades. Na mesma esteira, a atuação sindical deve retomar seus tempos de glória e conferir ao trabalhador todo o amparo necessário já registrado na história, anteriormente marcada pela luta de classes.

Sob este prisma, a MP 873/2019 dá ensejo ao rearranjo da estrutura do sindicalismo e estimula mudanças positivas no cenário atual. Isso, por que, não haverá mais a compulsoriedade da contribuição sindical, fato, este, que fará com que as entidades sindicais tenham de mudar seus meios de atuação, demonstrando, ao trabalhador, a sua real necessidade e utilidade na defesa de seus interesses. Consequentemente, o amparo à entidade será revertido.

Contudo e concomitantemente, a Medida Provisória 873/2019 é ato conduzido pelo Poder Executivo, e somente será convertida em Lei por meio de aprovação junto ao Congresso Nacional, ainda que já possua tal força. Portanto, tal medida terá sua vigência extinta se, após decorridos 120 dias, não for convertida em lei.

Tal inconstância do sistema político brasileiro é refletida na sociedade. Dessa forma, surgem sensibilidades quanto à medida adotada e, quem sabe, sua extinção. Portanto, há contornos de insegurança jurídica em razão da possibilidade da não conversibilidade da Medida Provisória em lei, haja visto não ser uma prática desconhecida do ordenamento jurídico brasileiro.

Ademais, já coexistem discussões quanto aos acordos e convenções coletivas firmados antes da promulgação da MP 873/2019. Qual será o critério adotado para solver a questão envolvendo um direito adquirido em contrapartida do Direito Intertemporal e sua retroatividade pró operário?

Ainda, como deliberariam, nos casos práticos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF)? O primeiro, através do precedente normativo 119 já estabelecia a não obrigatoriedade para aqueles que não fossem sindicalizados. O segundo adotava o mesmo entendimento, baseado na súmula nº666 da própria corte. Destaco o tema, pois a própria OAB/SP, por meio da Nota Técnica sobre o tema destaca:

Do ponto de vista formal do processo legislativo, a MP 873/2019 padece de inconstitucionalidade por não observar os requisitos exigidos para edição da medida provisória, quais sejam, a presença de urgência e relevância a autorizar tal proposição legislativa, conforme exige o art. 62 da Constituição Federal (“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”, grifo nosso)

Com relação ao mérito, a MP 874/2019 atenta contra os princípios constitucionais da liberdade e autonomia sindical, esvaziando a densidade dos preceitos constitucionais que garantem a autonomia e a liberdade sindical, ao proibir ao Estado sua intervenção e interferência (incisos I, III e IV do art. 8º e inciso VI do art. 37 da Constituição Federal) na forma de organização e administração.

Cumpre mencionar que, igualmente, do ponto de vista individual do próprio trabalhador, estaria sendo interditada, sem nenhuma justificação plausível, a sua manifestação de vontade e de iniciativa, ou seja, a sua autonomia da vontade e liberdade de contratar, garantida pelo inciso IV do art. 1º da CF: “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.“

Considerando as diversas formas de entendimento desta mudança no âmbito do cenário trabalhista e político, acredito que é o momento ideal para refletirmos além do que está em discussão, e buscarmos enfatizar que o real problema, a meu ver, é como o sindicato foi se modelando ao longo do tempo não mais para combater as injustiças, através das mobilizações da categoria, mas, sim, privilegiando uma atuação burocratizada e com interesses pouco transparentes, assim como qualquer outra instituição deste país. Se não olharmos para a raiz do problema, jamais alcançaremos o ideal coletivo de justiça, e nos contentaremos, cada vez mais, com as utopias que nos são passadas.

Para finalizar, deixo o questionamento: o processo emancipatório dos trabalhadores, para com seus sindicatos representantes, é a válvula de escape mais justa e inteligente, analisando todo o processo pelo qual essas entidades foram instituídas, ou será que cada vez mais nos contentaremos em esconder a sujeira para baixo do tapete?

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