Na semana passada, o STJ, mais uma vez, mudou seu entendimento sobre o cabimento de Agravo de Instrumento fora das hipóteses constantes do Código de Processo Civil, reforçando a cizânia instaurada com nova sistemática processual desde 2015.

O objetivo do CPC/15 sempre foi claro: valorizar e privilegiar as decisões de Primeira Instância e mitigar o invencível volume de processos perante os Tribunais – que muitos atribuíam à ampla recorribilidade das decisões interlocutórias. Para tanto, optou o legislador, dentro do processo democrático de direito, por estabelecer hipóteses específicas em que a decisão interlocutória seria, de pronto, recorrível, deixando as demais para serem tratadas quando de eventual recurso de Apelação.

Todavia, seja por falta de maturidade de nossa sociedade, seja pelos problemas enfrentados pelo Judiciário face ao volume de trabalho imposto aos Magistrados, a questão parece clara: a limitação das hipóteses de Agravo de Instrumento ou não foi bem talhada para o nosso ordenamento jurídico ou não satisfez os operadores jurídicos (aqui inclusos os membros do Judiciário), eis que desde as primeiras notícias sobre tal regramento, buscaram-se meios de excepcioná-lo.

Mas este não é o real (e mais importante) impacto desta decisão no meu modesto ponto de vista. A admissão de agravos fora das hipóteses do artigo 1.015 é apenas mais uma consequência de um absurdo problema que enfrentamos diuturnamente na atividade jurídica: a falta de segurança e uniformidade das decisões judiciais.

Não estou aqui a defender o engessamento ou a limitação dos poderes decisórios deste importante órgão democrático, muito menos a ignorar o quanto o Direito, como ciência e ferramenta de efetivação da Justiça, se enobrece do embate de posições e considerações interpretativas sobre as normas postas. Entretanto, não se pode tomar como surpreendente que, ao leigo, pareça que o Poder Judiciário se assemelha a uma grande loteria. E isso é preocupante, pois atinge a própria confiabilidade que este Poder Republicano sempre teve.

E cada vez que o Judiciário excepciona – por mais justa que seja a situação – uma regra processual vigente e estatuída pelo legislador, essa insegurança só aumenta.

A mencionada e recente decisão do STJ, pontual e não vinculante, vale dizer, calçou-se na análise da “urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso da apelação”, o que decorreria da necessidade de respeito “às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes”.

Excelente! Os princípios e regras supra normativas aplicadas na forma de interpretar o direito posto, tornando-o vivo e moldando-o à realidade e ao momento em que se realiza sua aplicação. 

Há um porém: esta decisão é pontual, só vale para aquele processo e como jurisprudência para os demais. Quem definirá o que é uma decisão que, se não revista naquele momento, terá seu recurso inútil? Deixaremos ao casuísmo de 32 Tribunais espalhados pelo país a decisão de quando e por quais razões aplicar essa exceção? 

Um exemplo prático: a não concessão de efeito suspensivo aos Embargos de Execução não consta do rol do artigo 1.015 – este apenas contempla a concessão de efeito suspensivo como recorrível. 

Analisando a previsão legal, resta claro o objetivo por trás desta regra: a suspensão da execução é medida excecionalíssima, sendo presumido que o Exequente faça jus ao seu crédito até a apresentação, pelo menos, de robustos argumentos e provas em sentido contrário. Assim, indeferida a suspensão, privilegia-se o decidido em Primeiro Grau e a presunção legal de existência, exigibilidade e certeza daquela dívida.

E sem efeito suspensivo a execução seguirá seu curso regular, podendo não só haver penhora, mas também a alienação ou entrega do produto da penhora ao Exequente. 

Se o Embargante tinha razão em sua insurgência – e o efeito suspensivo aos seus embargos foi indeferido apenas e tão somente por ser esse o “despacho padrão” utilizado –, quem reparará este prejuízo? Nem se precisa tanto: se apenas dos atos constritivos resultar evidente prejuízo ao devedor (por exemplo, por ter suas contas correntes bloqueadas não pagou determinada obrigação com outro credor), quem responderá?

O Exequente argumentará que apenas exerceu uma prerrogativa prevista em lei ao levar a cabo a execução e o Executado foi prejudicado não apenas por essa conduta, mas muito mais pela falha judiciária de analisar devidamente seus argumentos. E sequer teve direito de recorrer, tempestivamente, desta decisão!

Pior: tal e como a hipótese analisada pelo STJ – na qual o indeferimento do segredo de justiça irrecorrível antes da sentença o torna inútil –, permitir apenas reanálise do efeito suspensivo aos Embargos à Execução apenas quando da apelação deste claramente causa inutilidade a este recurso, já que se o Tribunal julgar em prol do Embargante, estará decidindo o mérito, não apenas sua prévia suspensão.

Percebem o tamanho do problema de se deixar ao caso concreto e ao casuísmo estas decisões? 

E as demais hipóteses de “às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes”, quando (e será que) serão decididas? Não me parece correto dependermos do acaso para tão importante pacificação.

Ou faz-se regra a taxatividade do artigo 1.015 ou se define os critérios – objetivos – da sua excepcionalização de forma geral e abstrata, preferencialmente por recurso repetitivo para vincular as instâncias inferiores, permitindo assim que os jurisdicionados – e seus patronos – saibam quando e como recorrer destas decisões.

Isso para não imaginar que, por entender atentatório “às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes”, o Poder Judiciário não deixe de conhecer uma preliminar de Apelação afirmando que cabia contra esta recurso de Agravo (CPC, 1.009, § 1º).

Afinal, ao se bater às portas do Judiciário não se está a jogar dados ou bingo, mas sim a buscar Justiça.

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