Themis era uma Deusa que deveria gostar muito de ganhar surpresas afinal de contas a Justiça é uma caixinha cheia delas. Que o sistema jurídico não é perfeito todos nós sabemos. No entanto, no Estado Democrático de Direito devemos acreditar nele, ainda que sejam imprevisíveis o tempo de duração e o desfecho de um processo.

A Justiça no Brasil sempre foi conhecida por demorar muito a pôr fim ao conflito de interesse. Seja em razão da enorme quantidade de recursos prevista, seja pela falta de estrutura do judiciário, seja pela astúcia (ou malandragem) dos advogados, as decisões judiciais sempre demoraram a surtir efeito na prática. Recentemente um recurso de embargos de declaração interposto pelo nosso escritório contra um acórdão que negou provimento ao recurso de apelação ficou um ano e meio com o Desembargador para decisão. Isso mesmo, dezoito meses para decidir que “não há omissão, contradição ou obscuridade e que o juiz não é obrigado a responder a todos os questionamentos das partes”. Nesse período eu estive três vezes em seu gabinete tentando acelerar a sua análise e julgamento. Temos recursos de apelação que ficaram anos aguardando distribuição no chamado “limbo judicial” do Complexo Ipiranga. Há recursos nossos no Superior Tribunal de Justiça que estão no gabinete do Ministro há mais de três anos. Na tentativa de agendar uma audiência para despachar memoriais a informação é que estão sendo julgados os recursos entrados em 2012. Os nossos são de 2015. Recentemente eu me deparei com uma situação inusitada. Em litígio envolvendo a importação de uma máquina foram ajuizadas duas demandas, uma nossa, pelo adquirente, de rescisão de contrato cumulada com a devolução do sinal, e outra pelo vendedor, de indenização em razão da rescisão do negócio. Vínhamos tentando um acordo desde o início dos processos, sem sucesso diante da disparidade das propostas. Ambas as ações foram distribuídas para o mesmo Juiz, porém em momentos distintos. A nossa ação foi julgada primeiro, improcedente. Recorremos. Antes do julgamento da nossa apelação a outra ação foi julgada, desta vez procedente. O clima com o cliente começou a esquentar, afinal havíamos perdido as duas demandas. Na mesma época que o segundo recurso havia sido apresentado o primeiro foi julgado, e nós ganhamos. Havíamos revertido a primeira decisão obtendo a devolução do sinal e a inversão da sucumbência. Ou seja, era uma luz ao final do túnel para uma negociação. Quiçá uma compensação com a indenização pleiteada. Precisávamos ganhar tempo. Enquanto ainda comemorávamos a reversão da primeira decisão, o segundo recurso, distribuído para a mesma Câmara, foi pautado para o último dia do expediente forense de 2017. Inimaginável que o meu recurso seria julgado no último dia útil do judiciário. Eu não poderia deixar isso acontecer. Eu não poderia deixar esse julgamento estragar o meu Natal e muito menos o Natal do cliente. Precisávamos de tempo para liquidar a primeira ação e forçar uma negociação envolvendo a segunda, que ainda não havia sido decidida em definitivo. E nada melhor que terminar o ano com o jogo ganhando. Logo que intimado fiz uma petição requerendo a designação de audiência de conciliação em Segundo Grau, uma providência muito comum no judiciário paulista que tanto preza e incentiva a celebração de acordo. O pedido foi inusitadamente indeferido. Na proximidade da data marcada protocolei outra petição requerendo o adiamento do julgamento por uma sessão para sustentação oral. Esse tipo de pedido é usualmente deferido eis que os advogados dele se utilizam para uma melhor preparação para a tribuna. Mais uma vez o meu pedido foi indeferido pelo relator. E o julgamento efetivamente aconteceu no último dia útil forense, e eu perdi. Ainda que a primeira vitória tenha sido bastante comemorada essa derrota a ofuscou. Mas ainda havia mais uma luz no final do túnel. Como a primeira ação foi julgada antes eu poderia dar início a execução provisória do julgado, e mais uma vez forçar uma negociação. Afinal de contas o segundo processo ainda dependia da intimação do acórdão, da interposição e do julgamento dos embargos de declaração e etc. Ainda estávamos na frente. Quem milita na área sabe que esse trâmite demora de dois a três meses, pelo menos. Só que não. A intimação do acórdão ocorreu logo no retorno do recesso forense, no último dia 22 de janeiro. Corri e protocolei os embargos de declaração no último dia do prazo. Certamente teríamos tempo até a elaboração do voto e julgamento do recurso. Só que não, de novo. Os embargos de declaração foram analisados em dois dias pelo relator e pautado ainda neste mês de fevereiro. Alguma dúvida de qual será o veredicto? Ou seja, em março o caso já estará resolvido, com a chance da execução do julgado, tal como a minha ideia no primeiro processo. Toda essa estória se desenrolou entre setembro de 2017, data do protocolo do recurso de apelação, e fevereiro de 2018, quando serão julgados os embargos de declaração. Em 5 meses o judiciário paulista deu por encerrado o seu ofício jurisdicional. Eu fico pensando se estivéssemos do lado do credor, e não do devedor, se seríamos agraciados com toda essa agilidade. É ou não é uma caixinha de surpresa? Com ou sem surpresas o difícil é ter argumentos para explicar ao cliente.

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