Pela legislação atual (e já de longa data), os parentes podem pedir, uns aos outros, dentro de determinado contexto e se cumpridas à risca as exigências, ajuda financeira para sustento próprio. E no conceito de parentes, pela lei, estão os cônjuges e companheiros.

É claro que, para esse direito, existem limitações, genericamente previstas (também) na lei e especificamente definidas através de reiteradas decisões judiciais, conhecidas como jurisprudência. É como se as estruturas rígidas fossem as determinações legais, e todo o material, nem tão rígido, nem tão estático, que preenche todo o espaço entre estas estruturas, fosse a interpretação dos juízes.

Com os olhos voltados para o caso que se apresenta e sempre buscando o seu enquadramento, ou não, às leis aplicáveis, o juiz forma sua decisão e, com ela, constrói, junto a tantas outras, a jurisprudência: um verdadeiro guia de conduta, do ponto de vista do cidadão, e uma fonte do direito, segundo se aprende nas universidades e do ponto de vista dos juristas.

Neste contexto e sob estas premissas, imaginemos o caso de João e Maria1, um casal, casado pelo regime de comunhão parcial de bens, que depois de vários anos de união decidiu se separar, para cada um seguir seu caminho. Os dois são profissionais bem sucedidos, cada qual na sua área de atuação, e, na bagagem, ficam os filhos e o patrimônio que construíram juntos.

Para os filhos, tudo certo. Conseguiram decidir o melhor para eles, seja em termos de quem fica com quem e qual a dependência financeira de cada um, pois bons pais que são.

Com relação ao patrimônio, contudo, não só não conseguiram alcançar um consenso, como iniciaram uma longa e litigiosa jornada processual.

Maria, excelente profissional, bem colocada no mercado de trabalho, acabava usando seus rendimentos para pagar as despesas domésticas, compras de itens de consumo e, quando havia sobra, aplicava em pequenos investimentos.

João, também muito bem colocado profissionalmente, ficava responsável por quitar algumas despesas dos filhos e, com a larga quantia que mensalmente sobrava, alçava voos maiores em termos de investimentos.

Sem muito refletir ou discutir sobre a forma de gestão patrimonial, o casal assim seguiu, cada qual com despesas e investimentos em nome próprio, sem a coparticipação do outro, até que razoável volume de ativos passou a render satisfatório ganho mensal.

Com a decisão de ruptura da vida comum, recheada de mágoas e desentendimentos, veio a separação de fato, passando João e Maria a viverem em casas separadas. E, assim, Maria, que permaneceu na residência que era utilizada pela família, continuou suportando todo o respectivo custo, como já fazia durante a união. Pouco, ou quase nada, sobrava para momentos de lazer ou para poupar.

João, por outro lado, por ter montado um lar, passou a ter mais despesas do que tinha antes. Afinal, durante o casamento, era Maria que arcava com todas as despesas domésticas. Assim, também para ele, pouco do salário sobrava para maiores investimentos ou pequenas extravagâncias.

Há um detalhe, no entanto, que faz toda diferença: os investimentos do casal ficaram todos em nome de João, como sempre estiveram durante todo o período do casamento.

E, por assim ser, João, usando todo o patrimônio comum, do qual, aliás, é dono de apenas metade, continuou sendo beneficiado pelos rendimentos gerados pelos investimentos, sem nada repassar Maria e sem prestar contas de suas escolhas e iniciativas.

Quando indagado sobre este fato, em um dos encontros realizados para tentativa de solução amigável do conflito, João sempre insistiu no argumento de que o capital que estava sob sua gestão era exclusivamente seu, já que, de seu ponto de vista, resultaram de seu esforço apenas.

Em tese, contradizendo o argumento de João (que, aliás, é muito mais comum do que se imagina), pelo regime de bens escolhido pelo casal na época do casamento, os investimentos e seus respectivos frutos são, sim, do casal e entre as partes devem ser divididos.

Alguns anos depois de iniciado o processo, veio, finalmente, a decisão que confirmou a comunhão de todo o patrimônio. Tudo o que existia nas contas, aplicações, investimentos, dentre outros ativos, no dia em que o casal deixou de viver junto, deve ser dividido pelos dois.

Até aí, tudo certo. Aplicou-se a lei, mas será que houve justiça?

Durante estes anos de processo, Maria, apesar de sua estabilidade financeira e profissional, lutou para manter para si e para seus filhos o padrão de vida que até então tinham. Sacrificou, nesse intento, sua saúde e praticamente abdicou de sua vida pessoal.

João, ao contrário, não estava muito interessado em encerrar a discussão sobre a divisão patrimonial. Estava confortável. Sua riqueza estava gerando mais riqueza.

E, ao final, com a partilha, os bens foram divididos, mas os frutos por eles gerados, mês a mês, durante anos, acabaram ficando com João.

Pois bem. Pelas frias palavras da lei, Maria não teria direito de pedir pensão alimentícia a João. Os requisitos e as limitações mencionados no início do texto não permitiriam a concessão, a ela, dessa benesse. E com razão.

Nesse contexto, justamente para melhor distribuir, entre as partes, o ônus da demora de finalização do processo judicial (demora natural, diga-se, para adequada produção de provas) e para evitar incoerência do sistema legal, como a do caso aqui contado, criou-se a figura dos alimentos compensatórios, sem lei que expressamente os previsse, com base exclusivamente em precedentes judiciais.

A ideia, para sua utilização, é garantir à parte que, por ocasião da separação de fato, deixou de ter a posse de determinados bens e, bem por isso, deixou de ter acesso aos seus frutos, a parte proporcional destes rendimentos que lhe caberia pela respectiva propriedade.

Se, no caso de João e Maria, esta ferramenta tivesse sido utilizada, Maria teria recebido sua parte dos resultados dos investimentos geridos por João e, assim, poderia ter passado de maneira muito mais confortável pelo tempo que demorou para tramitar seu processo de divórcio e partilha de bens. Sob seus olhos, justiça teria sido feita.

João, por sua vez, teria que se desapegar de parte da receita que obtinha por meio de investimentos e, possivelmente, não teria aguardado a finalização do processo de maneira tão confortável. Para ele, justamente pela falta de previsão em lei, a sua condenação na prestação dos alimentos compensatórios Maria seria ato totalmente ilegal.

A beleza do direito, portanto, como a da arte, está nos olhos de quem o vê.

  1. Os nomes e todo o caso usado de exemplo são totalmente fictícios, construído exclusivamente para ilustrar este breve ensaio, com a intenção de provocar o leitor a pensar sobre o tema. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. ↩︎
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