A sociedade moderna está inserida num ambiente cada vez mais digital, onde a tecnologia faz parte de nossas atividades mais básicas, como pagamento de contas, compras de mercado por aplicativo, solicitação de carro para transporte, e até mesmo desbloqueio do smartphone por reconhecimento facial.

Por isso, desde o início dos anos 2000 dizemos que estamos inseridos na chamada sociedade da informação. Significa dizer que, assim como feito há séculos, as pessoas continuam comprando, vendendo, se relacionando, mas agora, com a tecnologia fazendo parte desses atos.

O comércio de roupas e acessórios, por exemplo, vem se dando cada vez no ambiente online por meio do e-commerce. Além disso, a assinatura de contratos de locação, ou mesmo outros mais complexos como os de fornecimento de matéria-prima, também têm sido firmados sem um único contato pessoal, bastando que as partes tomem conhecimento da minuta em meio virtual e, após, assinem as vias digitalmente.

Outro grande exemplo são os serviços de streaming, que permite ao usuário assistir a milhares de filmes, séries e outras obras de modo online, em seu smatphone, tablet ou smart TV, mediante uma simples assinatura mensal a preço reduzido.

Do mesmo modo, a tecnologia também passou a integrar o cerne das grandes empresas, seja para integrar a própria produção de bens e serviços por meio da utilização de robôs, softwares ou algoritmos, seja para realizar o tratamento massivo de dados.

Ocorre que, embora a tecnologia tenha como objetivo facilitar ou modernizar essas práticas, também trouxe conflitos próprios mediante seu uso de forma inadequada.

No âmbito da vida privada, tem sido extremamente comum a ocorrência de atos ofensivos à privacidade ou à dignidade das pessoas, como no caso das fraudes virtuais, das ofensas nas redes sociais, do vazamento de imagens íntimas, da adulteração de código de barras ou das ameaças virtuais.

Já nas indústrias e grandes corporações, temos observado inúmeros casos de vazamento de segredos industriais, manipulação de informações confidenciais para difamação de marca ou sequestro de dados em nuvem.

Então, assim como ocorre no mundo real, as relações comerciais e interpessoais havidas no mundo digital geram conflitos que, quando não resolvidos de maneira consensual, buscam solução no Direito, nesse caso, pelo chamado Direito Digital.

O que acontece é que, como a tecnologia evolui de forma muito mais ágil do que o Direito tradicional, muitas vezes a solução jurídica necessária ao caso concreto ocorrido no âmbito digital não foi devidamente disciplinado na legislação vigente, ou não há parâmetros pré-estabelecidos para se interpretar e julgar o caso.

Bem por isso, o Direito Digital surge como ramo do Direito que traz soluções e interpretações ao Direito tradicional à luz do caso concreto, utilizando as regras e normas já existentes em conjunto com ferramentas técnicas próprias, na busca da solução mais justa para um problema novo, que apenas surgiu por conta da integração da tecnologia à vida ao cotidiano da sociedade moderna.

Dizemos, então, que o Direito Digital não é um ramo autônomo, ou então um “novo direito”, mas sim a evolução do próprio Direito,1 já que as problemáticas envolvidas têm como pano de fundo o direito tradicional (consumerista, cível, tributário, penal, etc.).

Portanto, entende-se por Direito Digital como um novo jeito de pensar o Direito tradicional para solucionar os novos problemas gerados pela integração da tecnologia ao cotidiano da sociedade moderna.

MAS, SE O DIREITO DIGITAL SE FUNDAMENTA NO DIREITO TRADICIONAL, QUAL O DIFERENCIAL DE UM PROFISSIONAL ESPECIALIZADO NA ÁREA?

Tal qual ocorre em diversas profissões, quanto mais especializado é o profissional, mais efetiva será sua atuação para resolver determinada situação.

No caso do Direito Digital – que, como visto, nada mais é que do que uma adaptação do pensamento jurídico tradicional à solução de conflitos do meio digital -, o profissional atuante deve, necessariamente, ter uma base sólida de conhecimento nas áreas tradicionais do Direito, somada ao conhecimento específico a tecnologia da informação.

Para se ter uma ideia, pense no caso de uma empresa que trabalha com o desenvolvimento de softwares e necessita de assessoria jurídica para a elaboração de um contrato de venda desse produto. Essa empresa poderia contratar qualquer advogado, já que todos, por formação, estudaram a matéria de Contratos.

Porém, o advogado especializado em Direito Digital não detém apenas o conhecimento da legislação tradicional, mas também conhecimentos específicos relacionados à tecnologia que serão utilizadas para garantir a segurança jurídica e da informação.

Assim, é possível calcular de maneira mais eficaz os riscos e utilizar as técnicas adequadas para cada caso.

Portanto, o trabalho de um profissional especializado em Direito Digital pode levar a uma melhor experiência do cliente, seja por questão de agilidade e técnica, seja pela alta qualidade na solução jurídica da questão.

ATUALMENTE O BRASIL JÁ POSSUI LEIS RELACIONADAS AO DIREITO DIGITAL?

Poucos sabem, mas existem diversas leis específicas que regulamentam práticas dentro do ambiente digital.

Como visto, o Direito Digital é interdisciplinar e alia os ramos do Direito tradicional às ferramentas tecnológicas e à inovação para encontrar soluções justas às problemáticas que surgem com o uso da tecnologia, conferindo maior segurança jurídica.

Assim, muitos temas podem ser resolvidos por meio de dispositivos encontrados nos diplomas legais tradicionais, como a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor ou o Código Penal. Outros, porém, já possuem leis específicas ao meio digital.

Listamos, a seguir, alguns dos principais exemplos divididos por assunto:

PROTEÇÃO DE DADOS E INTERNET:

Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014 – art. 3º, incisos II, III, V e art. 7º e incisos): criada para estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.

Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.º 13.709/2018): criada para regulamentar a proteção de dados pessoais. Dispõe sobre todos os direitos mencionados nas referidas legislações, porém, de forma mais específica.

SOFTWARES E TRIBUTAÇÃO NA INTERNET:

Lei n.º 9.609/1998 (“Lei do Software”): dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e sua comercialização no Brasil.

Lei Complementar n.º 116/2003: Dispõe sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, contendo Lista de serviços anexa (itens 1 a 1.09).

COMÉRCIO ELETRÔNICO

Decreto n.º 7.962/2013: dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico.

CRIMES ENVOLVENDO TECNOLOGIA:

Lei n.º 9.296/1996: criada para disciplinar a interceptação de comunicação telemática ou informática;

Lei n.º 9.609/1998: criada para disciplinar a proteção da propriedade intelectual do programa de computador;

Lei n.º 9.983/2000: criada para tipificar os crimes relacionados ao acesso indevido a sistemas informatizados da Administração Pública;

Lei n.º 11.829/2008: criada para tipificar crimes relacionados à pornografia infantil na internet;

Lei n.º 12.034/2009: criada para delimitar os direitos e deveres dentro da rede mundial, durante as campanhas eleitorais.

Lei n.º 12.735/2012 (“Lei Azeredo”): criada para viabilizar a retirada de conteúdo discriminatório de meios como rádio, TV, Internet ou qualquer outro e, ainda, para determinar a criação de delegacias especializadas no combate a crimes praticados por meio da Internet ou por sistema informatizado;

Lei n.º 12.737/2012 (“Lei Carolina Dieckmann”): criada para tipificar atos de invasão de computadores com o intuito de violar dados, roubar senhas e divulgar informações privadas.

É bem verdade que embora já exista uma gama de leis brasileiras que regulam as práticas no ambiente digital, ainda há um grande déficit na legislação, muitas vezes havendo a necessidade regulamentações específicas.

O que vemos, porém, é que a internet está longe de ser uma “terra sem lei”, já que a legislação comum vale para os atos praticados em ambiente virtual, e as normas específicas já existentes (como é o caso do Marco Civil da Internet), estabelecem princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

CONCLUSÃO

Tendo como característica principal a multidisciplinaridade, e embora beba da fonte dos ramos do Direito tradicional, o Direito Digital quebra barreiras e inova o pensamento jurídico, de modo que sua existência é totalmente essencial para regular os anseios da sociedade da informação, conferindo maior segurança jurídica ao solucionar problemáticas de ordem tecnológica com o uso das técnicas corretas.

 

  1. PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. Ed. Saraiva, 2007.
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