Comumente associado à proteção do empregado, o Direito do Trabalho vem demonstrando, cada vez mais, contrariedades aos princípios basilares de seu surgimento. Este cenário decorre, inequivocamente, da influência negativa que o capital impôs à sociedade, sendo a peça modeladora da contemporaneidade e determinadora da “selvageria” econômica à qual estamos submetidos.

 

Reduzindo nossa esfera para a seara trabalhista brasileira, são perceptíveis os reflexos que o capital impõe, principalmente para determinar quem será o “patrão” e quem será o “trabalhador” em uma relação de emprego. Ou seja, o Direito do Trabalho está sendo objeto de adaptações, espelhando-se na sistemática da sociedade brasileira, marcada, historicamente, pela desigualdade social. Isso mesmo, aquele direito surgido em meados da revolução industrial, com o condão de regular as relações trabalhistas ali estabelecidas, está, cada vez mais, visando atender às minorias.

A Reforma Trabalhista trouxe para o ordenamento jurídico uma nova modalidade de trabalhador, a qual demonstra, indubitavelmente, a desigualdade intrinsecamente embrenhada na sociedade, representada pela figura do “Trabalhador Hipersuficiente”. Isso, porque, tal modalidade equivale à personificação das minorias sociais que detêm o poder de concorrência econômica, vez que os requisitos de enquadramento desse trabalhador requerem graduação em nível superior e a percepção de salário maior que o dobro do teto do benefício previdenciário. Trocando em miúdos, é aquele que “ganha”, aproximadamente, acima de R$11.500,00 reais mensais.

Ora, pois, qual a vantagem conferida ao hipersuficiente em uma relação de trabalho? Simples, ele é plenamente capaz para equivaler-se a seu empregador, com o benefício de poder barganhar como serão dispostas as cláusulas laborativas em seu contrato de trabalho. Dentre as matérias passíveis de negociação, nas quais o empregado está em isonomia com seu empregador, o artigo 611-A da CLT elenca: banco de horas, intervalo intrajornada, prêmios de incentivos, dentre outros.

A princípio, a “inovação” trazida não é de todo mal. Contudo, qual a porcentagem de brasileiros que ela beneficiaria? Infelizmente, os números assombram. O país convive, hoje, com cerca de 14 milhões de desempregados e outros 32 milhões vivendo da economia informal, desassistidos de quaisquer seguranças governamentais. A renda média do brasileiro não chega perto dos números traçados pela nova lei. Ou seja, o direito do trabalho está tendo sua fórmula alterada para atender aos interesses dos “maiores”, e deixando de proteger aqueles que realmente precisam, reflexo, este, dos domínios das minorias ricas em todos os segmentos da sociedade contemporânea.

Seja no âmbito político, econômico ou empresarial, fato é que as mudanças recentes, em prol do interesse das minorias detentoras do poder, estão enfraquecendo a classe que mais precisa do auxílio do Estado, fomentando, ainda mais, as desigualdades sociais e econômicas no país.

Ora, vejamos. Na esfera trabalhista, a figura do trabalhador hipersuficiente, a condenação em honorários advocatícios recíprocos e periciais ao reclamante sucumbente, são evidências de um confronto constitucional estabelecido com a inclusão da nova Lei Trabalhista, atingindo o direito adquirido retrógrado à referida lei. No âmbito previdenciário, a iminente aprovação das novas diretrizes dificultará a caminhada do trabalhador na busca pela estabilidade financeira. Em contrapartida, o cenário tributário permanece inerte frente às mudanças sociais advindas das novas reformas.

Caso o déficit seja exorbitante, como alegam, porque não reformar a tributação interna da sociedade, respeitando a limitação de cada um? Ou, ainda, o que impede de aprovar Lei Complementar que dê eficácia ao IGF (imposto sobre grandes fortunas)? A resposta, a meu ver, está na fraqueza estatal em confrontar os verdadeiros “governantes” deste país, quais sejam, aqueles 2% mais ricos. Consequentemente, é do pobre, trabalhador, que o Estado se vale para poder equilibrar a balança.

Neste diapasão, retornando ao foco do presente artigo, o instituto do trabalhador hipersuficiente trazido pela nova Lei Trabalhista enseja, constitucionalmente falando, inseguranças para o cenário jurídico, vez que há correntes doutrinárias disciplinando o tema e o confrontando, baseadas na infringência de dispositivos constitucionais, como o princípio geral antidiscriminatório previsto pelos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso IV; e 5º, caput, todos da Constituição Federal.

Infelizmente, a sistemática brasileira impede, por si só, que o país entre nos trilhos da jornada, objetivando a redução das desigualdades. O que esperar do futuro próximo que nos aguarda? A meu ver tendemos a fomentar, cada vez mais, os polos opostos da relação econômica.

Ou seja: os ricos continuarão sendo ricos às custas dos “mais pobres”!…

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