Sandbag, em uma tradução livre para o português, significa “saco de areia”. Na língua inglesa pode se apresentar dessa maneira, ou seja, como um substantivo, ou também como um verbo: Sandbagging.

O significado mais conhecido para Sandbagging está relacionado ao esporte: tratam-se de termos comumente usados no xadrez ou no poker quando se pretende referir àquele jogador que, propositalmente, apresenta um desempenho bem abaixo de suas capacidades, quer seja por uma estratégia de jogo, quer seja para atrair apostadores.

Opiniões divergentes à parte, para muitos esses atletas astutos – que se utilizam de todos os subterfúgios do jogo gestual, intelectual e de paciência – podem ser considerados como adeptos da boa e velha “malandragem”, no bom sentido da palavra.

Mas qual a ligação de Sandbagging com termos e institutos jurídicos?

Oriundas do “Common Law” norte-americano e da Inglaterra, Sandbagging é o nome que se dá a determinadas cláusulas contratuais, comuns nos contratos de M&A (Mergers and Acquisitions, que traduzindo para o português significa Fusões e Aquisições societárias), que basicamente permite ao comprador ser indenizado por eventuais perdas e danos que lhe são causados por “declarações falsas” do vendedor, mesmo quando o comprador sabia que tais declarações não eram verdadeiras.

Noutros dizeres, imaginemos a hipotética situação: um vendedor ávido para conseguir um comprador para sua empresa, faz declarações tais que o convence a comprá-la. Geralmente tais declarações garantem que a empresa à venda é altamente rentável, não possui grandes passivos: o verdadeiro negócio da China!

Entretanto, o sabido comprador, desconfiado de que tais declarações “são boas demais para ser verdade”, resolve – ele mesmo – investigar melhor, e acaba descobrindo que a empresa não é tão rentável assim, que possui uma saúde financeira até que aceitável, mas bem pior do que declara o vendedor.

Nessa situação hipotética, comprador e vendedor resolvem fechar o negócio. O comprador faz o vendedor acreditar que ele confia em todas as informações por ele prestadas, e firmam o contrato com a cláusula de pró-sandbagging, permitindo a possibilidade de uma indenização em eventuais perdas ou danos, oriundas das declarações prestadas pelo vendedor.

É fácil entendermos que erros, declarações falsas e inexatidões nas declarações de um vendedor podem gerar o dever de indenizar o comprador que acreditou nestas declarações para fechar o negócio, desde que tenha experimentado prejuízos em função deste contexto.

Se o comprador sabia das inexatidões das declarações, fingiu desconhecê-las e fechou o negócio com o intuito de pleitear a indenização, atingindo o vendedor com um sandbag, ou melhor, com uma demanda judicial, terá direito a indenização?

A resposta pode ser sim, e em nada tem a ver com a “malandragem” insinuada no título deste texto.

Tudo dependerá se no contrato foram formuladas cláusulas para regulamentar essa situação (cláusulas pró- sandbagging).

O comprador que realiza uma boa due diligence, sobre a empresa que pretende adquirir, passa a ter mais conhecimento sobre ela do que o próprio vendedor. Quanto maior e mais complexa a operação de fusão, mais provável que o comprador consiga reunir informações tais que o coloque em uma posição de vantagem sobre o vendedor.

Sabendo disso e optando pelas cláusulas que autorizam a indenização, o comprador passa a ter um poder maior de barganha, negociando as cláusulas de declaração e garantias com o vendedor, almejando, é claro, uma maior vantagem financeira na operação, contando com a indenização pela inexatidão de tais declarações e garantias.

A inclusão dessas cláusulas se justifica, do pondo de vista do comprador, que pode alegar necessitar dessa segurança para poder realizar negócios que, geralmente, atingem cifras gigantescas. Também poderá alegar que, se as declarações e as garantias prestadas pelo vendedor são verdadeiras, este não tem nada a temer em aceitar eventuais indenizações sobre sua veracidade.

As cláusulas de declaração e de garantias prestados pelo vendedor têm impacto direto no preço dos negócios, mas esse é um “jogo” que pode ser jogado por dois: se por um lado tais declarações podem induzir algum comprador desavisado a fechar um negócio pouco vantajoso, também permite ao comprador bem -informado conseguir mais vantagens do que imagina o vendedor.

Em nossos tribunais, há entendimentos que não apenas aceitam tais cláusulas quando expressas, como também as considera nas omissões dos contratos.

Mas, nem tudo que reluz é ouro, e a medalha dessa disputa pode não estar nas mãos daquele que faz uso da tática do jogo de xadrez. Alguns tribunais sustentam que a confiança é um elemento necessário para a caracterização do dever de indenizar.

Nesse sentido, se o comprador diligenciou a ponto de saber de todos os problemas da empresa mesmo com as declarações prestadas pelo vendedor, é sinal que não confiou em tais declarações, que, por sua vez, não exerceram influência na decisão de fechar o negócio.

Recente decisão do TJ de São Paulo destacou a importância em se estabelecer as cláusulas de indenização em contratos de aquisições de quotas. O Acórdão da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de São Paulo decidiu demanda sobre o contrato de aquisição de quotas empresariais, em que os compradores foram obrigados a fazer um aporte na sociedade, para arcar com uma dívida originada de uma Reclamação Trabalhista já existente quando da aquisição.

A decisão de primeiro grau ressaltou que os compradores deveriam ter checado sobre a existência de eventuais demandas trabalhistas – dever de diligência empresarial-. Por outro lado, o vendedor deveria ter comunicado aos compradores a existência da demanda laboral, decidindo pela culpa concorrente entre as partes, com a condenação de ressarcimento, pelo devedor, de metade dos valores aportados na sociedade.

Em mencionado acórdão, o TJSP ressaltou que a decisão deveria ser mantida, pois também decorria de ausência de cláusulas de indenização (pró sandbagging) delimitando as responsabilidades atribuíveis a cada parte.

Nesse “jogo” de interesses opostos, muito comuns nas negociações de fusão e aquisição, é que, atualmente, atribui-se cada vez mais relevância às cláusulas Sandbagging, que garantem maior segurança jurídica nas transações para ambas as partes.

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