Já passado mais de um mês (por culpa, também, das férias forenses) do julgamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a taxatividade do rol de procedimentos e eventos da ANS, ainda se aguarda a publicação da íntegra desta decisão para se conhecer, em detalhes, as razões e seus fundamentos[i].

Desde antes da conclusão deste julgamento, muitos especialistas, juristas e políticos já debatiam (e ainda debatem) os efeitos desta decisão, meios de contorná-la e, até mesmo, os possíveis recursos, não havendo dúvidas de que esta questão só será resolvida após a última palavra do Supremo Tribunal Federal.

Sim, apesar de parecer que a questão se esgotaria no âmbito da legislação infraconstitucional, indiscutivelmente ela será revisitada perante a Corte Suprema, não só pela previsão constitucional, mas, especialmente, pela repercussão que o caso teve e tem.

Prova disso está nas decisões de Cortes Estaduais que, por tecnicalidades, é verdade, tem se esquivado da aplicação dessa decisão repetitiva por discordar da sua conclusão.

Certamente este tema ainda demandará muito debate, e esse texto cairia na vala comum se tratasse, simples e novamente, de analisar a questão sob o viés do paciente e dos tratamentos que serão negados, por não estarem no referido “Rol da ANS”.

Por isso, me proponho a uma análise sob outro foco: você, médico, percebeu o quanto da sua liberdade profissional pode ter perdido com essa decisão?

Não? Então acompanhe o meu raciocínio: você, médico, atua em prol de seus pacientes, certo?

Ótimo! Eles são, em sua maioria, particulares ou usuários de planos de saúde?

Se forem os primeiros, parabéns, você faz parte de uma minoria muito destacada de profissionais médicos que (ainda) conseguem atuar sem as amarras dos planos de saúde.

Agora, se você, no seu dia a dia, atua com esse sistema que domina o mercado de saúde brasileiro – se não global –, precisa responder essa próxima pergunta: ao orientar o tratamento de seu paciente, você olha o “Rol da ANS”?

Ou definiria sua conduta e o tratamento dentro daquilo que seu paciente precisa?

Vou ousar responder por você, leitor médico: obviamente, respeitador da ética profissional – aqui não me referindo ao Código de Ética Médica simplesmente, mas sim ao juramento de Hipócrates (ou equivalentes), tantas vezes repetidas na colação de grau desta nobre profissão –, sempre aplicou seus conhecimentos para o bem do doente, segundo o seu poder e entendimento, certo?

Pois saiba que, lamentavelmente, você pode ter problemas com os planos de saúde se fizer “apenas” isso.

Afinal, mantida a taxatividade do “Rol da ANS”, ao prescrever ao seu paciente um tratamento não coberto pelo plano, restar-lhe-á a amarga discussão (proposta pelo plano, pode apostar): já esgotou os procedimentos aprovados na ANS? Este procedimento não foi vetado pelo citado órgão? Há recomendação de órgão técnico de renome, baseado em evidências e à luz da medicina?

Se não o fez, caro médico, seu paciente não poderá discutir nem judicialmente essa cobertura! E o SUS não dará atendimento, já que o procedimento não está no malfadado rol!…

Note, caro leitor, que nem mesmo entrei na discussão – que existirá, pode acreditar – se os planos de saúde poderão mover medidas administrativas ou até judiciais contra os médicos que prescreverem esses tratamentos “extra rol”, por mais que o paciente precise e seja, não poucas vezes, a sua melhor ou última esperança!

“E agora, José?”, diria o famoso poeta.

Agora, é o momento em que, profissionalmente, serão necessários heróis – não só médicos ou advogados, mas também Juízes, Desembargadores e Ministros – para debater e melhor responder a essa questão: será mesmo que a saúde dos pacientes pode esperar toda essa discussão?…

[i] 1 – o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo;

2 – a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao Rol;

3 – é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra Rol;

4 – não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que

(i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar;

(ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;

(iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; e

(iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

 

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