OU: “Crônica de uma semana que poderia ser apagada”

Na semana passada tive a oportunidade de conversar com os diretores e coordenadores de uma Associação, os quais convidaram a mim e outras colegas para falar sobre suas responsabilidades em relação às atividades que realizam. Mais que a conversa em si, foi interessante notar como é difícil entender – e explicar – que o não fazer pode ser tão ou mais importante que as ações, quando falamos de responsabilidade.

É fácil, para não dizer natural, entendermos as consequências das nossas ações – por mais que, uns ou outros, ainda batalhem para aceitar esse conceito básico: eu derrubo um vaso e ele quebra, então tenho o dever de reparar ou indenizar o proprietário. Eu ofendo ou agrido alguém intencionalmente ou não, então devo reparar essa ofensa, mesmo que por força de uma sentença que me condene a assim fazê-lo.

Agora, quando essa obrigação advém de um não fazer, da inércia ou do simples silêncio daquele a quem se imputa a obrigação de agir, aquela noção, que era clara como um dia de verão, torna-se enevoada como aquele Lago contado por Marion Zimmer Bradeley e que levaria à Avalon.

Vivemos num sistema jurídico em que só se pode exigir ou impedir uma ação em razão de lei anterior que assim determine – é o famoso “princípio da legalidade”. É por isso que o Código Civil expressamente responsabiliza os pais, curadores ou tutores, os empregadores, entre outros, pelos danos causados por seus filhos, curatelados ou tutelados, e empregados ou prepostos, respectivamente.

Até aqui, nada muito complexo ou fora do que, ouso dizer, o homem médio espera e entende razoável que aconteça: você é responsável por algo ou alguém, causa-se prejuízo a terceiro, e então a consequência lógica é que você, também, tem a obrigação de indenizar.

Agora, como fica o diretor de uma associação, face a um ato ilícito cometido durante uma reunião por ele realizada, na qual, por falta de controle dos presentes ou de atenção à sensibilidade dos fatos ou dados que estão sendo tratados, acabe por permitir a atuação de um estelionatário ou outro meliante?

Difícil de imaginar isso acontecendo? Deixe-me dar um exemplo prático, iniciado por duas perguntas: de quantos grupos do WhatsApp você participa? E de quantos destes você é Administrador?

Pois saiba que, somente por ser Administrador e não fazer nada diante de situações inadequadas, ofensivas ou que atinjam um ou vários participantes do grupo, você pode ser responsabilizado!

Vamos a outro exemplo: se você é responsável pela segurança de uma informação, sistema ou local e, por qualquer motivo – até uma pandemia –, altera os critérios de segurança ou de procedimentos, mesmo que diante da orientação dos proprietários, você pode ser responsabilizado! Por qual razão? Simples: cabia a você alertar das consequências que essa mudança traria.

Não avisou? Preferiu ficar em casa ao invés de realizar os atos dentro do ambiente seguro, como mandam as boas práticas? Bom, você pode estar encrencado

Mas, se a regra é só ser obrigado a fazer ou deixar de fazer, em razão de uma lei que assim o diga, como justificar essas obrigações? Simples: boa-fé!

Não só a legislação ordinária, mas a própria Constituição Federal coloca como norte interpretativo, e obrigação de todos, agir com boa-fé nas suas atividades cotidianas, sendo princípio básico de nossa nação a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou discriminações.

É por isso que, ao verificar que alguém que se colocou – ou foi colocado – numa posição que inspire responsabilidade (mesmo que nenhuma palavra seja dita sobre isso), você tem a obrigação de agir de acordo com essa posição, e, não o fazendo, poderá ser responsabilizado.

Este conceito vale para quase toda situação do nosso dia a dia: uma reunião de condomínio, o conduzir de um veículo, o atravessar de uma rua (especialmente fora da faixa de segurança), o contratar ou não contratar uma pessoa ou empresa, e, até mesmo, nos relacionamentos pessoais mais íntimos.

Se, pela ação ou posição que uma pessoa se colocou, surgir a outro(s) a justa sensação de segurança – e a intimidade, a sociedade (empresarial ou pessoal) e outros vínculos sociais impõem algum grau de segurança – e esta for violada, pode haver o dever de indenizar!

Óbvio, quanto mais pública e impessoal for essa ligação, menor é a expectativa de proteção que se poderá exigir – por isso mesmo que não se revelam os dados bancários ao segurança da agência bancária, apesar de esperar-se dele que enfrente o perigo e haja de acordo, em caso de uma tentativa de assalto; por seu turno, quanto mais íntimo e pessoal for esse relacionamento, maior é a proteção que, mais que se esperar, poder-se-á exigir – e, por isso mesmo que, antes de qualquer lei, a divulgação ou exploração de momentos de intimidade, estejamos sóbrios ou não quando do ato, sempre foi rechaçado e apto a gerar o dever de indenizar, por parte de quem violou essa privacidade.

Sem essa noção básica, nenhuma sociedade consegue evoluir, muito menos se tornar justa e solidária, como nos propusemos a atingir desde 1988.

Portanto, caro leitor – e crendo ter chegado até aqui sem cansá-lo com discussões jurídicas ou técnicas –, é que devemos nos preocupar tanto (ou até mais) em saber quando o nosso agir torna-se relevante, ainda que juridicamente possam alguns advogados construir estratagemas e argumentos para “ilidir” essa obrigação.

Afinal, no fim do dia, quando a cabeça se coloca no travesseiro, a única resposta que importa é: você agiu bem, aceitaria que tivessem feito isso com você, e consegue dormir tranquilo, depois de tudo que aconteceu?…

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