Você já teve aquela sensação de chegar a um lugar e encontrar a porta fechada, sem que haja qualquer alternativa para entrar no local? Pois a crônica de hoje, para encerrar o Blog AHO 2018, o ano do nosso cinquentenário, vai tratar de uma situação bastante semelhante – figurativa, é claro –, que enfrentamos no Poder Judiciário.

Há tempos todos sabem da dificuldade que os advogados enfrentam para conseguir emplacar um Recurso Especial. Se é difícil fazer o Recurso ser admitido, o seu provimento pelo Tribunal Superior é quase uma missão impossível. O filtro criado pelos Tribunais dos Estados e pelos Tribunais Regionais praticamente fecham a nossa porta de acesso ao Tribunal Superior pela via do Recurso Especial. Por melhor que seja o recurso, a decisão de inadmissão é sempre a mesma, praticamente o coringa no jogo de buraco.

Quando o Recurso Especial é admitido na origem, a nossa esperança na reversão do julgado parece duplicar – em vão, infelizmente. Vale lembrar que, com o Especial admitido, abre-se para nós a possibilidade de sustentarmos oralmente nossas razões da tribuna em sessão de julgamento previamente designada pelo Relator. Ou seja, além da possibilidade de despacharmos memoriais com cada um dos julgadores previamente à sessão, podemos também usar da tribuna no dia da sessão para apontar a cada um dos votantes os pontos do recurso que merecem análise e cuidados especiais. Ocorre que isso, infelizmente, não tem acontecido.

O Recurso Especial admitido na origem entra no Tribunal Superior e fica meses, quiçá anos, no gabinete do Relator. Tentamos marcar hora com os julgadores para despachar memorial, porém a maioria deles não recebe o advogado enquanto não pautado o recurso. Resta-nos então aguardar a designação do dia e hora da sessão para dar início a esse árduo trabalho, além de ter que correr para comprar a passagem para Brasília. E, neste interregno, entre a distribuição do recurso e a sua entrada em pauta, passamos a acompanhar o processo pelo site do Tribunal, além de responder ao cliente semanalmente o já desgastado chavão forense: “sem novidades”. Eis que de repente, quando menos esperamos, nos deparamos com a publicação de uma decisão monocrática do Eminente Relator do recurso, obviamente negando provimento ao nosso recurso com base em três ou quatro súmulas daquele Tribunal. Eu nunca vi uma decisão monocrática proferida para dar provimento ao recurso. Pronto, além da surpresa desagradável, passa a não nos restar outra alternativa senão a interposição do recurso de Agravo Interno, única ferramenta cabível contra a decisão monocrática de Relator. Acontece que no recurso de Agravo Interno, ainda que submetido ao colegiado do Tribunal, ceifado está o nosso direito de utilizar a tribuna, eis que legal e regimentalmente este recurso não admite sustentação oral. Calado está o advogado.

E desta forma, passada a efêmera alegria da admissão do Especial, passamos a conviver com a decepção de não podermos utilizar da tribuna, de não podermos utilizar das palavras. Além disso, precisamos de um malabarismo digno do Cirque du Soleil para explicar ao cliente o motivo disso ter acontecido à revelia do que prevê a lei.

Pois esta é uma situação em que me vejo com a porta do Poder Judiciário fechada, para mim e para o cliente, o jurisdicionado. Não há o que fazer.

Em outro caso, desta vez em Tribunal Estadual, interpusemos IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas –, recurso que nasceu junto com o Código de Processo Civil de 2015. Sentindo-nos vítimas de decisões conflitantes proferidas por duas Câmaras especializadas acerca de um mesmo tema, uma a favor da nossa tese e a outra contra, aproveitando um recurso de Apelação da nossa autoria, interpusemos o referido incidente, uma novidade não somente para nós, mas também para os Desembargadores. Como a Apelação ainda não havia sido julgada, por óbvio pedimos a suspensão do julgamento até que fosse decidido o incidente. Caso o incidente fosse decido a favor da nossa tese, a Apelação seria provida e teríamos a necessária segurança jurídica nos demais casos. Se o incidente caminhasse contrariamente à nossa tese, perderíamos a Apelação e enterraríamos a tese. O incidente foi distribuído ao Relator da Apelação, preparamos e distribuímos memoriais aos sete componentes do Grupo de Câmaras. Todos se mostraram surpresos com o incidente, eis que ainda não haviam julgado algo semelhante. O pedido de suspensão do recurso de Apelação até que fosse julgado o incidente foi inusitadamente indeferido pelo Relator. Julgada a Apelação, foi ela improvida, eis que o Relator compunha aquela Câmara que era contrária à nossa tese. Perdemos a causa. Designada a sessão de julgamento para a análise da admissibilidade do IRDR, comparecemos para sustentar oralmente nossas razões, mostrando a necessidade do prosseguimento do incidente eis que estávamos diante de evidente caso de demanda repetitiva com tratamento diverso por diferentes órgãos do mesmo Tribunal. E o resultado foi a inadmissão do incidente por perda do objeto com o julgamento do recurso de Apelação.

Pois é.

O mesmo Relator que indeferiu a suspensão do julgamento da Apelação até que fosse julgado o incidente, não admitiu este mesmo incidente, pois ele teria perdido o objeto com o julgamento da Apelação. Kafkiano demais. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? E a porta do Poder Judiciário se fechou, ou melhor, bateu em nossa cara mais uma vez.

Feliz 2019!

Fale com a AHO
1
Olá,
Envie sua mensagem que te retornaremos em breve.

Obrigado!