Por óbvio e natural, a temática dos artigos/blogs/comentários de natureza jurídica vem incidindo maciçamente, desde o começo deste ano de 2020, sobre os problemas gerados pela famigerada pandemia “Covid-19” e suas relevantes consequências em praticamente todas as relações e áreas da Lei, do Direito e da Justiça. Destarte, para variar um pouco, e também por sua relevância intrínseca na vida dos cidadãos brasileiros, seguem aqui despretensiosos comentários sobre alguns aspectos do tema supra intitulado.

Em junho/2019, por iniciativa do próprio Presidente da República, foi entregue o Projeto de Lei 3.267/2019, com diversas alterações ao CTB (Lei Federal nº 9.503, de 23/09/1997). Afora a forma e a oportunidade de tal encaminhamento –– feito muito antes de propostas bem mais relevantes e urgentemente necessárias (reformas administrativa, tributária, política, etc) ––, chamou a atenção o conteúdo das alterações propostas, com nítido viés de abrandar penalidades e exigências do CTB, enfraquecendo o rigor necessário de diversas normas (que estavam produzindo resultados!), exatamente numa época em que medidas rigorosas são absolutamente necessárias, ante o elevadíssimo número de acidentes de trânsito no País!

Presentemente, após apreciações e emendas pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados Federais e Senado), o PL foi sancionado com alguns vetos pela Presidência da República, convertendo-se na Lei nº 14.071, de 13/10/2020, publicada no D.O.U. no dia imediato, com entrada em vigor após 180 dias de sua publicação.

Antes de qualquer comentário, é de se observar que, no espírito do legislador de trânsito de nosso País, sempre prevaleceu o aspecto de se aumentar o rigor e o valor das multas (em detrimento da função educativa da punição às infrações). Porém, se de um lado seu incremento não deve ser meio de fortalecer a arrecadação dos cofres públicos, por outro o abrandamento da penalização às infrações de trânsito produz efeito contrário ao desejável, pois resulta num forte aumento dos índices infracionais.

E agora, ao diminuir rigor e aplicação de multas, algumas das novas normas acabam por enfraquecer a penalização, num misto de afrouxamento normativo com pretensão de racionalização do trânsito (vide recente Resolução 798 do CONTRAN, com restrições a alguns radares). Vejamos algumas das novas alterações:

1. CNH – Habilitação / Validade / Renovação:- O órgão executivo de trânsito deverá submeter o candidato a motorista a exames de aptidão física e mental. O prazo de validade da CNH foi aumentado, passando a ser de: 10 anos para quem tem menos de 50 anos de idade; 05 anos para quem estiver entre 50 e 70 anos; e 03 anos para os acima de 70 anos (era de 05 anos aos motoristas de até 65 anos, e de 03 anos para aqueles com mais de 65 anos).

2. Suspensão da CNH –– Pontuação dos Infratores :- O limite para suspensão da CNH passa a ser de 40 pontos (por quaisquer infrações) para os motoristas profissionais (motoristas de ônibus ou caminhões, taxistas, motoristas de aplicativo ou moto-taxistas, para os quais, se participarem de curso preventivo de reciclagem ao atingir 30 pontos, em 12 meses, toda a pontuação será zerada). Para todos os demais condutores, o limite suspensivo (que era de 20 pontos e estava dando resultados satisfatórios) agora fica na conformidade das infrações gravíssimas cometidas pelo infrator nos últimos 12 meses, sendo gradativamente de: 20 pontos para quem tiver duas ou mais infrações gravíssimas; 30 pontos para quem tiver uma; e 40 pontos para quem não tiver nenhuma.

3. Multas:- Na notificação de autuação (ou auto de infração) deverá constar o prazo de 30 dias para apresentação de defesa prévia, contado da data de expedição da notificação. Se neste prazo a defesa prévia não for apresentada ou, se apresentada, for indeferida, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator (por via postal ou por meio tecnológico hábil), no prazo máximo de 180 dias, contado da data do cometimento da infração (se não apresentada defesa prévia) ou de 360 dias (se apresentada defesa prévia no seu prazo). O descumprimento de tais prazos implicará na decadência do direito de aplicar a penalidade. O proprietário do veículo ou condutor infrator autuado terá opção de notificação eletrônica de multas, caso em que, se não apresentar defesa prévia nem recurso – reconhecendo o cometimento da infração –, pode ganhar desconto de 40% , pagando 60% do valor da multa (em qualquer fase do processo até o vencimento da multa).

4. Transporte de Crianças:- Antes somente uma Resolução do Contran, e constante da proposta do Executivo apenas com caráter educativo (sem qualquer penalidade!), a infração por transporte de crianças sem cadeirinhas foi seriamente discutida e finalmente incorporada ao CTB, na condição de “gravíssima”! A criança deve ser acomodada em dispositivo de retenção ou cadeira especial presa ao assento do banco traseiro, adequada à sua idade (até 10 anos), ao seu peso e à sua altura (até 1,45 m.).

5. “Lei do Farol Baixo”:- Passa a ser infração dirigir sem farois acesos (luz baixa) durante o dia: sob chuva/neblina/cerração, em túneis e em rodovias de pistas simples fora do perímetro urbano (os fabricantes já produzem veículos novos com luzes de rodagem diurna).

6. Motocicletas/Motonetas/Motofretes/Ciclomotores nos “Corredores”:- Foi vetada a possibilidade ao motociclista para trafegar nos corredores de automóveis apenas com trânsito lento ou parado, mantendo-se a sua ampla circulação entre os veículos, sob alegação de gerar “insegurança jurídica” por ser ser inviável ao condutor aferir o que seja “trânsito lento”.

7. Avanço livre no sinal vermelho do semáforo para conversão à direita (com sinalização indicativa da permissão):- Tal liberação, já existente em outros países, é novidade aos brasileiros, e deve ser feita com muita cautela e atenção para com os pedestres, especialmente idosos e crianças.

8. Advertência:- Se o condutor não tiver cometido nenhuma infração nos últimos 12 meses, a penalização pelo cometimento de uma infração com correspondência de multa leve ou média será obrigatoriamente substituída por advertência.

9. Transferência de propriedade:- O comprador de um veículo terá 30 dias para registrá-lo em seu nome (Certificado de Registro de Veículo–CRV). Não o fazendo, o vendedor /ex-proprietário terá outros 60 dias para comprovar a transferência de propriedade junto ao Detran de seu Estado (sob pena de responsabilização solidária por penalidades e reincidências até a data da comunicação).

10. Fica criado o Registro Nacional Positivo de Condutores – RNPC, para cadastrar os condutores (sob sua permissão) que não cometeram infração (de qualquer natureza) nos últimos 12 meses, com direito a benefícios fiscais ou tarifários (conforme a legislação específica da União/Estados/Municípios).

A par das novas alterações, foram mantidos in integrum alguns relevantes dispositivos já constantes do CTB, penalizando com rigor infrações gravíssimas, tais como:- dirigir “sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa” (e agora ainda, em casos de lesão corporal/homicídio culposo puníveis com reclusão, sem possibilidade de substituição por penas alternativas/restritivas de direitos); usar indevidamente o “celular” concomitantemente à condução do veículo; estacionar irregularmente o veículo em “vagas reservadas às pessoas com deficiência e aos idosos”.

Em suma: apesar da manutenção de penalização rigorosa por algumas infrações gravíssimas, a flexibilização decorrente de algumas das novas alterações, ao contrário de pretensas racionalização das normas de trânsito, facilitação aos motoristas e/ou adequação à modernidade do tráfego de veículos, redunda muito mais num retrocesso inconcebível e inoportuno da legislação pertinente, especialmente num país com altíssimo índice de acidentes de trânsito e com enormes problemas rodoviários!

No Brasil atual e real, e ainda durante muito tempo, há que se impor máximo rigor na penalização pelas infrações às normas de trânsito !

Há que se proteger e se salvar vidas humanas!

Há que se efetivar uma intersetorialidade entre as Políticas Públicas de Mobilidade Urbana e de Educação, no sentido de que a população brasileira, desde a infância (na escola pública ou particular), tenha conhecimento e aprenda a respeitar, cumprir e vivenciar as normas de trânsito. Bem assim, há que se prover os órgãos de trânsito com agentes fiscais em quantidade e qualificação técnica condizentes.

Cabe às autoridades constituídas, secundadas pelos órgãos pertinentes, elaborar e aplicar bem as normas de trânsito (e os recursos financeiros oriundos das multas), e cabe especialmente aos motoristas de quaisquer veículos –– e bem assim aos pedestres –– cumpri-las bem e fielmente!

É um simples exercício de cidadania, a ser praticado por todos nós, dia após dia!!!

“Só engrandecemos o nosso direito à vida cumprindo o nosso dever de cidadãos do mundo!”

–– Mahatma Gandhi ––

Fale com a AHO
1
Olá,
Envie sua mensagem que te retornaremos em breve.

Obrigado!