O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no último dia 14 de março, decidiu trancar uma ação penal que analisava um caso de aborto fora da previsão legal, com consequente anulação das provas reunidas no processo.  O motivo que levou o colegiado da 6ª Turma desse Tribunal a tomar essa decisão foi o reconhecimento da quebra do sigilo profissional pelo médico que atendeu a paciente.

Explicando melhor a situação: uma mulher, com 16 semanas de gestação, procurou atendimento hospitalar após passar mal. O profissional médico que a atendeu, suspeitando que o mal-estar decorria de um aborto ilegal provocado pela ingestão de remédio abortivo, resolveu acionar a Polícia para apurar a situação. Após a instauração de inquérito, o médico encaminhou à autoridade policial o prontuário da paciente para comprovar sua denúncia e, com base nessas informações, o Ministério Público decidiu instaurar uma ação penal contra a paciente, tendo o médico figurado como testemunha do caso.

Aqui abre-se um parêntese: atualmente, no Brasil, o aborto é autorizado apenas em três situações: 1) se a gestação representar risco de morte para a gestante; 2) se a gravidez foi provocada por estupro; e 3) se o feto é anencéfalo (sem cérebro). Noutro giro, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), sem data para julgamento, um processo que pede a liberação do aborto para grávidas com até 12 semanas de gestação. O caso é relatado pela Ministra Rosa Weber.

Feito o destaque acima, ressalte-se que, no julgamento do caso aqui relatado, o STJ considerou que apesar de, em regra, o aborto ser considerado crime pelo artigo 124 do Código Penal[1], o médico contrariou o artigo 207 do Código de Processo Penal, que estabelece: “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.

Ainda, o Tribunal considerou que o profissional médico é um “confidente necessário” que está proibido de revelar a terceiros o segredo que seu paciente lhe der conhecimento. Assim, os Ministros entenderam que, nesse tipo de caso, prevalece o sigilo profissional, e encerraram, por considerar que as provas produzidas são ilegais na investigação contra a paciente.

O relator do caso, Ministro Sebastião Reis Júnior, fez questão de destacar o artigo 73 do Código de Ética Médica, o qual disciplina ser terminantemente vedado ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

Ainda de acordo com esse Código, “na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”. Se chamado a depor como testemunha, o profissional deve se declarar como impedido para tal.

Por fim, o STJ determinou que o processo seja encaminhado ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina, ao qual o médico está vinculado, para que os órgãos tomem as medidas que entenderem necessárias, em especial contra o profissional médico que violou o seu sigilo médico.

Ressalte-se, neste ponto, que segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o sigilo profissional médico só pode ser quebrado em três situações[2]: “1) quando há autorização expressa do paciente; 2) em caso de dever legal (no caso de notificações compulsórias à Vigilância Sanitária de doenças infectocontagiosas, como a Aids); e 3) quando há justa causa. Nesse último caso, o médico deve revelar um segredo para proteger a saúde de um terceiro –uma criança que sofreu abuso, por exemplo”.

Tendo em vista todo o acima relatado, cristalino que os profissionais médicos devem estar a par não somente dos conhecimentos técnicos que sua profissão exige, mas, acima de tudo, das questões legais que envolvem sua profissão. Urge que sejam assessorados por profissionais jurídicos especializados nessas causas, tudo para fins de serem alertados e mais bem orientados sobre as questões legais que envolvem a atuação médica.

 

[1] Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

[2] https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Imprensa&acao=crm_midia&id=708. Acessado em 16/03/2023.

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