Recentemente, através da Resolução CFM Nº 2.217/2018, publicada no D.O.U. em 01/11/2018, o Conselho Federal de Medicina apresentou o novo “Código de Ética Médica – CEM”, com vigência a partir de 30/04/2019, atualizando e modernizando a versão anterior (Resolução CFM Nº 1.931/2009, em vigor desde abril/2010), introduzindo normas decorrentes de avanços científicos e tecnológicos e dos novos contextos sociais.

Tudo com aliança entre o espírito inovador e os princípios deontológicos, basilares e éticos da profissão da Medicina, tais como: consideração à autonomia e à dignidade do paciente em estado terminal; proteção para se evitar conflitos na atividade médica, de pesquisa e docência; preservação do sigilo médico-paciente; possibilidade de recusa a atendimento em local com condições precárias (expondo ao risco pacientes e profissionais); fidelidade às diretrizes norteadores originais do CEM (desde 1988) “baseadas na dignidade humana e na medicina como a arte do cuidar” (cf. Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, presidente do CFM e coordenador da Comissão Nacional de Revisão do CEM).

Dentre as novidades e avanços destacam-se: o respeito ao médico com deficiência ou doença crônica (direito ao exercício profissional nos limites de sua capacidade, sem colocar em risco a vida e saúde do paciente); a regulação do uso pelos médicos das mídias sociais e a oferta tecnológica dos serviços médicos à distância, por meio de resoluções específicas; elaboração do sumário de alta e entrega ao paciente para assegurar a transição do cuidado, orientação e continuidade do tratamento, e a comunicação entre os profissionais e serviços médicos diversos); obrigação ao médico para entregar documentos quando solicitados pela Justiça.

Especificamente com relação ao último ítem supra citado –– entrega de documentos à Justiça –– é de se considerar que a classe profissional dos médicos sempre viveu um impasse, quando de eventual solicitação de documentos de clientes e pacientes sob seus cuidados (prontuários e históricos), e outros documentos de caráter médico (resultados de exames, diagnósticos, registros de medicamentos prescritos, etc). Pois sempre houve um impedimento ético para se proceder à entrega de tais documentos, mormente prontuários e históricos, sob a argumentação de que seriam uma “propriedade do paciente”, sobre os quais o médico teria a seriíssima obrigação de manter “sigilo profissional”!

Todavia, decisões judiciais passaram a determinar ao profissional médico –– pessoa física e/ou jurídica (como entidade hospitalar, clínica, etc) –– a entrega dos aludidos documentos. E, certamente em atendimento a tal situação, a nova versão do CEM passou a dispor que o médico se obriga a entregar documentos quando solicitados pela Justiça.

Em verdade não houve alteração substancial neste sentido, mas apenas a necessária adequação às exigências jurídicas atualizadas. Tanto que o sigilo com relação ao paciente, um dos pilares do Código, é mantido em pleno vigor e validade. Contudo, foi ressaltada, ao profissional da área médica, a obrigatoriedade da entrega de documento, em caso de solicitação específica pela Justiça (não havendo obrigatoriedade, todavia, se o pedido for formulado pela Polícia Civil e/ou pela Promotoria de Justiça).

O Capítulo X do novo CEM, denominado “Documentos Médicos”, dispõe :-

“É vedado ao médico:

Art. 80 (…)

Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.

§ 1º – O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.

§ 2º – O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.

§ 3º – Cabe ao médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário de alta ao paciente ou, na sua impossibilidade, ao seu representante legal.

Art. 88 (…)

Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente.

§ 1º – Quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante;

§ 2º – Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.”

 

Há várias situações jurídicas em que se faz necessária a apresentação do histórico de atendimento e/ou prontuário do paciente, para comprovação de fatos, direitos e obrigações. Exemplificativamente: existência de doenças no momento da contratação de convênio médico (quando o histórico do paciente é relevante para se pesquisar a sua saúde pregressa e se confrontá-la com eventual cobertura pelo órgão conveniado de seguro/saúde) ; avaliação de interdição de direitos e obrigações (quando o prontuário do paciente é fundamental para a análise das condições do interditando e a determinação judicial de sua condição psicológica e capacidade jurídica) ; apuração de responsabilidade por erro médico (quando o histórico e o prontuário do paciente são relevantes para a apuração judicial de responsabilidade, em caso de suspeita ou eventualidade do cometimento de erro médico).

Assim, o prontuário, que antes era apenas entregue ao perito médico nomeado judicialmente, agora deve ser entregue pelo médico (ou direção da entidade médica/hospitalar) à Justiça –– quando esta o solicitar –– , independentemente do consentimento do paciente (ou de seu representante legal). Tal prontuário, obviamente, deverá ter plena legibilidade e conter todos os dados clínicos, possibilitando a reconstituição histórica de todo o atendimento anteriormente prestado ao paciente.

Certamente, por força das decisões judiciais já anteriormente proferidas e cumpridas antes mesmo da edição no novo CEM, as informações médicas constantes dos prontuários de pacientes eram instrumentalizadas como elementos de provas nos autos. Todavia, o seu encaminhamento era feito ao médico perito, e não diretamente ao Juiz condutor do processo. Presentemente, com a nova sistemática, o prontuário será encaminhado diretamente ao Juízo requisitante, interessado e necessitado da informação médica para decidir prontamente e com bases técnicas, muitas vezes em benefício do próprio paciente.

É de se aguardar, pois, maior celeridade na tramitação dos processos judiciais que envolvam a apresentação de documentos médicos como instrumentos probatórios, especialmente prontuários / históricos de atendimentos.

Em prol dos pacientes e, enfim, de toda a Justiça !

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