Há muito já se sabe que o Judiciário Brasileiro – por motivos alheios à vontade de (muitos dos) seus operadores e membros – é extremamente moroso, sendo diversos os motivos e culpados: falta de estrutura e profissionais, excesso de processos, recursos protelatórios, entre outros motivos que poderiam encher diversas páginas, chegando-se ao triste consenso de que o prazo de um processo só é conhecido das Divindades, que tudo sabem, inclusive do que ainda ocorrerá num distante futuro.

Alguns, mais descrentes, arriscam dizer que nem esses saberiam, tão imprevisíveis são esses prazos de duração.

Enquanto muitos sofrem amargando a espera da solução de seus processos ou mesmo a efetivação do direito estampado na decisão judicial, alguns estão descobrindo ser um bom negócio ter créditos a receber na Justiça.

Espantados, caros leitores? Vou explicar: antes, é preciso fazer um importante alerta: como toda empreitada, essa que vou lhes contar não é isenta de risco – ao contrário, certamente deve estar inserida num dos mais arriscados investimentos, eis que dependerá não apenas da existência e localização de bens do devedor, mas de diversas decisões judiciais, cujas orientações podem se alterar com o tempo e, como já dito, raramente se sabe quando serão proferidas.

Cientes destes riscos, vamos analisar os possíveis retornos desse “investimento”: se não estabelecidos contratualmente outros parâmetros, receber-se-á seu direito acrescido de Correção Monetária por índice inflacionário oficial mais 1,00% ao mês de juros.

Apenas para exemplificar, um débito cobrado junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos últimos 12 meses, foi remunerado em 19,19%, aproximadamente o dobro do CDI e o triplo do rendimento da poupança. Interessante, não?

Obviamente, o risco e a paciência são proporcionais aos resultados almejados.

Esse cenário de “investimento” acabou de se tornar um pouco mais “atrativo”, pois o STJ, em decisão ainda a ser publicada, decidiu colocar na conta do devedor um pouco mais da demora do Judiciário, definindo que, ainda que depositado no processo o valor devido – e, portanto, corrigido pelos bancos oficiais pelos índices da poupança –, continua a ser corrigido e acrescido daqueles mesmos consectários já mencionados.

Justo? Certamente não em todo e qualquer caso. Vou dar dois exemplos (e uma singela opinião) de quão disfuncional será o dia a dia dessa decisão.

Tão certo quanto o fato do devedor, em atraso com um pagamento devido, responder por todo e qualquer acréscimo até o efetivo pagamento, é a situação de que, instaurado o processo judicial, este pagamento já não pode ser feito pelo simples pagamento daquele boleto vencido – muitas vezes já cancelado – ou por depósito na conta do credor, eis que existem verbas que decorrem do processo e não são apenas dele.

Por isso mesmo, a praxe forense instituiu como padrão o depósito dos valores devidos em conta judicial – não se trata de uma recusa de pagamento, mas uma cautela para dizer à parte credora, seus advogados e o próprio Judiciário de que aquela dívida foi paga –. Nesse momento, aquele devedor que estava em atraso já não estaria mais devendo nada.

Isso, contudo, não significa que o credor recebeu – leia-se, colocou no “próprio bolso” – o valor que lhe era devido. Mesmo que o devedor tenha expressado direta e literalmente que não irá mais discutir aquela dívida, que está pagando e encerrando o caso, vão alguns dias – ou, melhor (e mais provável) meses – até que esse depósito seja liberado ao seu destinatário final e legal.

E essa demora vai resultar em nova diferença – portanto, débito – àquele devedor, afinal, segundo a decisão do STJ, “o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários da sua mora, conforme previstos no título executivo. Devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido, o saldo da conta judicial”.

Por menos que os advogados gostem de cálculos matemáticos, a qualquer operador do direito minimamente experiente já deve estar evidente que essa conta nunca vai se encerrar – serão depositados os valores exatos da obrigação, demorar-se-á para liberar ao credor, a remuneração da dívida e do depósito não serão equivalentes, resultando em diferenças a serem pagas por novo depósito e este ciclo se repetirá infinitamente –, já que será impossível depositar e deduzir quanto tempo demorará para que tais valores sejam liberados ao credor.

Complexo, não?

Fica um pouco pior: se esse procedimento já demora entre particulares, se falarmos de dívidas do Poder Público, cujos pagamentos são feitos por precatório e demoram, de sua liberação ao levantamento pela parte, infinitamente mais que os pagamentos entre particulares, certamente essas diferenças se tornarão ainda mais imprevisíveis.

Será que serão seguidas essas mesmas regras de atualização nessa situação? Aposto que não.

Não serão aplicadas, pois, novamente arrisco a apostar, dirá o Judiciário que o Poder Público não pode responder pela demora decorrente do processo burocrático necessário a assegurar a lisura e correção destes pagamentos, muito menos pelo tempo de processamento do feito judicial que só existe por obrigação legal – afinal, suas dívidas devem ser satisfeitas por Precatórios. Justo? Nem um pouco.

Mas esse cenário, ao menos, poderá trazer um ponto positivo – ao menos aos advogados –: sua atuação e orientação serão ainda mais importantes e valorosas, pois caberá a eles orientar as partes, credor e devedor, a evitar esse infindável ciclo de dívidas e obrigações, tornando-se ainda mais essencial a efetiva realização da Justiça às partes, bem como buscando meios, argumentos e fundamentos para evitar essa injusta distinção entre o Público e o Privado que, infelizmente, já espero ocorrer!…

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