Nos tempos modernos, já há muitos anos, tem sido prática recorrente e usual, nas relações abrangidas especialmente nos âmbitos dos Direitos Civil e do Consumidor, a celebração de contratos através do denominado “contrato–formulário” ou “contrato de adesão”.

A sua adoção tem sido justificada devido à enorme quantidade de situações com que se deparam as instituições públicas e particulares, que ofertam os mesmos tipos de produtos e serviços a serem adquiridos/consumidos por grandes grupos de pessoas em situações semelhantes de aquisição/consumo. Razoável, pois, que aquele que fornece/ oferta produtos ou serviços em grande número já tenha elaborado previamente um texto contratual que, presumivelmente, esteja ajustado a regular as suas relações contratuais com os adquirentes ou consumidores, apenas com espaços a serem preenchidos por ocasião da contratação formal (qualificação, especificidades da relação objeto do contrato, valores, formas de pagamento, reajustes, datas, etc).

Em tese, tudo muito justo e prático. Ocorre, porém, que tal situação acaba por gerar uma nítida desigualdade entre as partes, pois geralmente tem-se, de um lado, uma forte instituição, com seu corpo de funcionários e departamentos jurídicos e administrativos aptos a desenvolver textos contratuais que dificilmente venham a lhes causar quaisquer problemas ou consequências contrárias aos seus interesses. E, de outro lado, tem-se a figura hipossuficiente do adquirente, que, por mais preparado que seja, está isolado ou com poucas condições de enfrentamento, quando o produto ou serviço apresenta problemas ou a própria relação contratual apresenta questões pendentes de solução inter partes.

Até certo ponto é natural que a instituição fornecedora, parte mais forte na relação, elabore um contrato–padrão com cláusulas que, no mínimo, lhe sejam favoráveis ou pendam para o seu lado, numa eventual questão decorrente, cláusulas até que lhe permitem interpretar e executar o contrato a seu talante, com abusividade. Sem se falar que o próprio texto contratual já é geralmente elaborado com conteúdo de difícil entendimento até para uma pessoa de mediana sabedoria e compreensão (por vezes com letras miúdas, a dificultar a própria leitura), direcionado exatamente ao adquirente/consumidor, parte mais fraca da relação contratual.

Em tais condições, como ficam o direito do adquirente/consumidor e a sua liberdade de contratar? Pois num contrato desse tipo ou ele assina e faz “adesão”, OU não assina e não contrata!!! Salta à vista que um instrumento assim avençado entre as partes, numa relação de aquisição ou consumo, consubstancia um autêntico contrato de adesão. Como já dito, tal tratativa negocial é uma realidade decorrente da própria celeridade das relações econômico-financeiras da sociedade moderna, não havendo como ignorá-la. Todavia, claramente a parte econômica e tecnicamente mais poderosa impõe à parte mais fraca um instrumento pronto e acabado, onde são adrede fixadas todas as obrigações e direitos decorrentes do negócio.

 

À parte aderente, obviamente cerceada em sua manifestação volitiva, só cabe dizer sim ou não acerca do “contrato formulário” que lhe é oferecido, e ao qual se submete! Em sua obra “Contratos Bancários” (Ed. Saraiva, 3ª Edição, pág. 44), o ilustre Magistrado e Jurista SÉRGIO CARLOS COVELLO assim se pronuncia: Quem contrata com um Banco só tem a possibilidade de aceitar em bloco as condições impostas ou recusá-las em sua totalidade, deixando de celebrar o contrato. Digamos: ou adere às condições, ou não contrata. Não pode, entretanto, modificá-las ou pretender discuti-las com o Banco”.

Em face de tal situação, a doutrina e a jurisprudência elegem a regra hermenêutica da interpretação contra stipulatorem, ou seja, o teor do instrumento é interpretado contra aquele que o redigiu, para se evitar o exercício abusivo de direito por parte dos estipulantes, manifestado em cláusulas de sentido duplo e ambíguo, escritas em linguagem excessivamente técnica e inadmissível à compreensão do homem médio, com obscuras disposições sobre critérios e cálculos de encargos, valores, acessórios, reajustes, cobranças, etc, onde a carga de potestatividade é tamanha que colide frontalmente com os princípios de isonomia e de comutatividade entre as partes!

Tais cláusulas são eivadas de nulidade, não se lhes aplicando o princípio de pacta sunt servanda. Da ensinança do culto Desembargador da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, DR. SEMY GLANZ, no julgamento da Apelação Cível nº 1.917/92, colhe-se:- Em verdade o princípio de ‘pacta sunt servanda’ não pode prevalecer a ponto de escravizar uma parte à outra, exatamente aquela que dita as cláusulas do contrato. Isso agora foi consagrado no artigo 51 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que apenas aceitou norma já antes consagrada pela doutrina e jurisprudência, não só de nosso país, mas daqueles que nos legaram o progresso jurídico”.

A insigne jurista CLÁUDIA LIMA MARQUES em sua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor” – 3ª ed. – Rev. dos Tribunais, às páginas 201/202 nos brinda com a seguinte magnífica lição: A maioria dos contratos bancários é concluída através da utilização de condições gerais dos contratos e de contratos de adesão. Estes métodos de contratação de massa, como observamos na experiência alemã, servem como indício da vulnerabilidade do co-contratante. Mesmo sendo um advogado o co-contratante, mesmo sendo um comerciante ou agricultor, a vulnerabilidade fática estará quase sempre presente, dependendo da jurisprudência a aplicação extensiva ou não, no caso concreto, das normas tutelares do CDC. Como esta aplicação ‘analógica’ tende a tornar-se a regra, como aconteceu na Alemanha, a melhor solução será os Bancos adaptarem todos os seus contratos-formulários, contratos de adesão e condições gerais de serviços, aos patamares de equilíbrio e de boa-fé instituídos pelo CDC. Esta solução é também a mais econômica, pois evita a preocupação em determinar se o co-contratante é ou não um consumidor, e baseia-se na realidade fática de superioridade econômica e técnica que possuem os bancos em relação à maioria dos seus clientes, superioridade esta que facilmente terá como reflexo a aceitação da vulnerabilidade e na hipossuficiência de seu co-contratante. Apesar das posições contrárias iniciais, e com o apoio da doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo espírito do CDC de boa-fé obrigatória e equilíbrio contratual. Como mostra da atuação do Judiciário, não se furtando a exercer o controle do conteúdo destes importantes contratos de massa.”

As lições de doutrina e jurisprudência ora transcritas abordam contratos de adesão celebrados com bancos, porém obviamente servem e se aplicam a quaisquer instituições econômico-financeiras a eles interligadas, e/ou a quaisquer outras entidades que procedam a contratações em massa, na condição de contratante e na parte poderosa da relação.

Isso posto, agasalhada a proteção do adquirente/consumidor pelo manto tutelar do Direito Civil pátrio, e observada a moderna legislação consumerista, é bem de se constatar a sua condição de inferioridade contratual, emergindo toda a sua vulnerabilidade e a sua hipossuficiência frente à flagrante superioridade econômica e técnica das supra aludidas instituições.

E exatamente para contrabalançar tal situação é que o legislador pátrio coibiu a abusividade de cláusulas contratuais, prevendo a sua nulidade, como disposto no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Outrossim, verifica-se que o próprio “contrato de adesão” está devidamente conceituado legalmente, como se vê do caput do art. 54 do CDC, verbis:- “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

In fine, frisese: a interpretação das cláusulas contratuais há de ser sempre “de maneira mais favorável ao consumidor”, sendo tal princípio jurídico defendido pela doutrina e jurisprudência, constando agora de texto expresso de lei, como se vê do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor!

A força do direito deve superar o direito da força!”

–– Rui Barbosa ––

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