Brasil, um mês qualquer de 2019, começo de noite.
Um Síndico condominial está preocupado. A assembleia foi marcada como manda a convenção e como determina a lei, com publicação do edital e convocação dos condôminos, e, beirando a segunda chamada, ninguém comparece!…
Era esperado o baixo quórum – a adesão dos condôminos nunca foi grande a estes eventos –, mas a situação parece ter chegado ao seu limite: fora ele e a representante da administradora – que nem cogitava se recandidatar –, ninguém veio.
Resignado, o Síndico já cogita “se reconduzir”; afinal, é o seu único imóvel e alguém precisa cuidar dele, mesmo que o restante dos proprietários não se interesse. Mas o incômodo não deixa de existir: “Devia haver uma forma mais moderna e atrativa de fazer essa gestão condominial! Ninguém mais tem paciência para ficar, após o expediente, participando de mais uma reunião!”, desabafa o Síndico.
Não havia.
Veio então a pandemia. Não podíamos nos reunir, aglomerar, respirar em conjunto.
Mas, ainda assim, a regularidade de um condomínio dependia da reunião de pessoas.
E agora?! Sem a eleição de Síndico, os bancos irão travar o acesso às contas; e os pagamentos, como serão feitos?
Corra-se aos advogados, às portas do Judiciário, à criatividade humana para resolver essa questão – que o Estado apenas se preocupou em regular em junho daquele ano (porcamente, diga-se), quando 99% dos Condomínios já estavam ou atrasados ou resolvidos com suas assembleias.
Passamos mais de 2 anos – e ainda vivemos – de pandemia, e por míseros 4 meses tivemos alguma regulamentação legal destas questões: o regime jurídico emergencial (Lei Federal nº 14010/2020) permitiu, entre 10 de junho de 2020 e 31 de outubro daquele mesmo ano, a realização de assembleias virtuais.
Em 2021, o que salvou os Condomínios foi a jurisprudência – literalmente, a “justa prudência” das decisões judiciais reiteradas – que mais uma vez os socorreu: apesar de não mais em vigor o regime jurídico emergencial, era quase uníssono o entendimento de que persistia a possibilidade de se fazer assembleias virtuais, face a persistência da pandemia e das recomendações de isolamento e distanciamento sociais.
Parece piada, mas apenas agora, em março de 2022, pouco menos de 30 dias antes de se anunciar o “Fim da Pandemia” no país, quando as recomendações de distanciamento e isolamento já estavam abrandadas, foi publicada a Lei Federal nº 14.309/2022, permitindo que os Condomínios realizem assembleias virtuais.
Mais que isso: permitiu que as convocações destas assembleias sejam também eletrônicas e que se estendam por diversos dias, para que todos os interessados possam discutir, deliberar e votar aquelas alterações e questões propostas.
Parecem questões simples, mas no dia a dia dos Condomínios, essas questões são essenciais, não só para garantir a participação dos condôminos, mas também para evitar gastos desnecessários.
Querem ver?
Não só as convocações poderão ser eletrônicas – por e-mail, mensageiros eletrônicos ou mesmo aplicativos próprios de gestão –, mas as próprias deliberações poderão ser assim realizadas e consideradas.
Isso significa, caro leitor, que seu Condomínio poderá aprovar contas, deliberar sobre reformas/investimentos, até mesmo eleger Síndico, por meio de um simples aplicativo ou votação eletrônica, sem que todos precisem estar reunidos – presencial ou eletronicamente – num mesmo dia e horário!
Significa dizer que a gestão condominial poderá, finalmente, ser horizontalizada e democratizada, se aproveitando dos benefícios da tecnologia para engajar e estimular a participação dos proprietários nas decisões condominiais.
A “única” restrição a essa possibilidade está no artigo 1.354-A do Código Civil: tal possibilidade [de assembleia/deliberação eletrônica] ser vedada na convenção do seu Condomínio.
E não uso as aspas sem razão: isso não garante que o proprietário, o condômino, vá, de fato, se interessar por essa participação.
Mas não se pode negar: finalmente começou-se a trazer o Condomínio ao século XXI. Esperemos que os condôminos venham juntos e não fiquem buscando formas de impedir ou embaraçar essa novidade na realidade condominial.
Se isso acontecer, chegará o Século XXII e continuaremos vendo participar das assembleias, virtuais ou não, apenas o Síndico e aqueles são obrigados a ali estar!…
Advogado sócio da Advocacia Hamilton de Oliveira. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS). Formado em Processamento de Dados e Mecatrônica pelo Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em Gestão Estratégica na Advocacia pela Escola Paulista de Direito (EPD). Relator da 17ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas (OAB Campinas – Gestão 2019 – até a presente data). Vice-Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas (OAB Campinas – Gestão 2019-2021). Presidente da Comissão de Direito Contratual da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas (OAB Campinas – Gestão 2022-2024).
Tem dedicado sua prática à área do Direito Civil, Empresarial e Contratual.