Não fica. Irá acabar em breve, eis que nenhum locador irá mais aceitar esta modalidade de garantia ao cumprimento das obrigações contratuais em uma locação comercial. Tema até há pouco tempo pacífico, seja pela Súmula 5491 do STJ, seja pelo Tema 2952 do STF, recentemente sofreu uma reviravolta. E a virada foi sacramentada pelo próprio STF no julgamento do RE 1.296.835/SP, sob a Relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ocorrido em 25 de janeiro de 2021. Sob o manto da proteção à dignidade humana e a proteção à família, a Ministra Cármen Lúcia deu provimento ao recurso do fiador, dada a divergência da decisão da origem com a orientação jurisprudencial da Corte. Para tanto reproduziu ementas dos RE n.º 1.287.488-ED-AgR (18/12/2020), RE n.º 1.277.481-AgR (23/11/2020), RE n.º 605.709 (1/02/2019), RE n.º 1.242.616-AgR (01/09/2020) e fez menção aos RE n.º 1.278.427 (05/08/2020), RE n.º 1.259.431-AgR (13/08/2020), RE n.º 1.280.380 (05/05/2020), RE n.º 1.276.295 (06/08/2020), RE n.º 1.278.282 (10/08/2020) e RE n.º 1.268.112 (03/06/2020). Segundo a Relatora, o Tema 295 não se aplicaria à espécie, eis que neste processo discutia-se a penhora de bem de família por fiança em contrato de locação comercial, e o STF havia assentado não ser penhorável o bem de família do fiador nestes casos. Não se pode perder de vista que o bem tutelado é louvável. Segundo a Ministra Rosa Weber, no julgamento do RE n.º 605.709, “não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia”. Fato interessante é que todas as decisões reproduzidas, que demonstrariam a jurisprudência da Corte, foram proferidas em 2020, ano absolutamente atípico. Ocorreram-me aqui três pontos que merecem atenção. Primeiro, a Lei Federal nº 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, não faz distinção entre a locação residencial e a comercial, dispondo apenas que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação” (inciso VII do artigo 3º). Cabe aqui o aforismo jurídico ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo). Segundo, considerando obviamente que não tenha havido vício na vontade, e que o contrato tenha sido firmado após 1990, o fiador sabia que estava garantindo uma locação com a finalidade comercial, e mesmo assim assinou a avença, colocando o seu patrimônio em jogo. Neste caso, evidente o desrespeito ao princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda). E terceiro, seguindo esta mesma linha, porém mais grave na minha opinião, é o desrespeito ao princípio da proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Em qualquer relação obrigacional exige-se a observância pelas partes do postulado da boa fé objetiva, como imperativo da segurança jurídica e da proibição de comportamento contraditório, o qual, se não observado, acaba por frustrar a legítima confiança criada na contraparte em decorrência de sua conduta relacional. O venire, como é conhecido, é consectário natural da repressão ao abuso de direito. A vedação do comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma determinada expectativa. Foi, pois, o que fez o recorrente (fiador) deste RE 1.296.835/SP, convencendo a Ministra Cármen Lúcia a garantir a ele o direito à moradia, não obstante tenha deliberadamente se comprometido perante o locador, e fazer letra morta três princípios básicos do direito obrigacional, com o perdão do meu latim: ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus; pacta sunt servanda e venire contra factum proprium. Como não cabe mais recurso, à exceção ao Papa, resta aos locadores de imóveis comerciais torcer para que o legislador crie novas modalidades de garantia, além das já existentes, a manter aquecido esse mercado, já tão abalado pela pandemia.

  1. É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
  2. Penhorabilidade de bem de família de fiador de contrato de locação.
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