Uma pergunta sem uma resposta simples. Entretanto, com um exercício rápido de compreensão do instituto e através da análise de estatísticas recentes, podemos chegar a uma conclusão otimista acerca das cláusulas compromissórias de arbitragem em solo tupiniquim.

Devemos ter em mente que a arbitragem é um meio alternativo de resolução de conflitos muito difundido no mundo, e isso não é novidade na história. Há registros de povos antigos, em diversas épocas e localidades, que já possuíam a habilidade de autotutela para administrar seus conflitos. À medida em que os Estados se estruturavam, métodos sofisticados, privados e descerimoniosos eram utilizados para solucionar os conflitos tidos como mais comuns entre as pessoas de determinada sociedade.

Desde o antigo Mediterrâneo (3.100 ac), na Índia (500 ac), na Coréia da Dinastia Yi (1392 a 1910), já se (re)conhecia a importância dos meios de solução de conflitos por meio de árbitros pacificadores, primordialmente em relação aos conflitos no âmbito civil e comercial.

Aliás, entre nós, a arbitragem foi instituída como norma quando da outorga da nossa primeira Constituição (1824)1, no art. 160, que estabeleceu a possibilidade de as partes nomearem “Juízes Árbitros” para solucionar conflitos de natureza penal e cível. O Código Comercial de 1850 tornou obrigatória a arbitragem em casos de locação mercantil e em algumas questões entre os sócios de uma sociedade ou companhia.

Após a revogação desta obrigatoriedade da arbitragem em 1866, por meio da Lei 1350/1866, a evolução do instituto estancou em nosso país. Apenas em 1916, com Clóvis Beviláqua, é que a Arbitragem voltou a ser inserida no cenário normativo com novo fôlego, quando o art. 1048 do Código Civil atribuiu status de jurisdição estatal para a arbitragem privada.

Avançando ainda mais no tempo, após algumas previsões em normas das quais a arbitragem apenas “pegava uma carona” (como o art. 4º, II do CPC 1973), em 1992, quando o então Senador da República Marco Maciel apresentou o Projeto de Lei n° 78/92, a arbitragem passou a ganhar protagonismo. Em 1996 o Projeto de Lei foi aprovado e sancionado, e então nascia a Lei da Arbitragem – n° 9307/1996-, que foi ainda mais revitalizada com o advento da Lei 13.129 de 2015.

Mas, qual a função da cláusula compromissória de arbitragem?

Para que as partes de um contrato se obriguem a adotar um meio alterativo de resolução de conflitos, há a imperiosa necessidade de que o contrato tenha uma cláusula compromissória de arbitragem.

A cláusula compromissória – ou convenção de arbitragem – nada mais é do que um acordo existente entre as partes para evitar que eventuais disputas sejam levadas aos tribunais, funcionando como uma prevenção aos litígios judiciais.

O termo “prevenção aos litígios judiciais” se encaixa perfeitamente com a arbitragem. A uma, porque objetiva evitar longas disputas judiciais, tão comuns no Brasil devido ao excesso de judicialização de conflitos que inundam nossos sodalícios pátrios, já que a Lei da Arbitragem estabelece que o tempo de tramitação do procedimento arbitral é de apenas seis meses. A duas, porque a sentença arbitral não pode ser objeto de recurso na esfera judicial, uma vez que o Poder Judiciário apenas exerce o “controle de qualidade” das sentenças arbitrais. Noutros dizeres: o Judiciário não aprecia o mérito das decisões arbitrais, apenas verifica se as sentenças são anuláveis por existência de erros ou vícios graves no procedimento de arbitragem.

E no Brasil, a arbitragem é uma realidade?

As estatísticas nos ajudam a responder essa questão, desde que interpretadas com cuidado. Uma recente pesquisa realizada pela Arbipedia2 indica que, nos últimos cinco anos, apenas 19% das sentenças arbitrais questionadas nos tribunais foram anuladas (56 de 292 acórdãos decidiram pela nulidade das sentenças arbitrais)3. Outro dado importante: entre o ano de 2019 e 2020 o número de acórdãos foi quase 90% maior do que a média dos três anos anteriores (2016,2017 e 2018).

Num primeiro momento a estatística pode apontar para uma péssima notícia, afinal o número de sentenças arbitrais levadas à juízo aumentou significativamente, o que poderia sugerir um aumento de judicialização de soluções alternativas de conflitos. Ou seja, o que seria uma alternativa para se evitar a resolução de conflitos na Justiça, estaria se mostrando ineficaz.

Entretanto, a análise judicial sobre a nulidade da sentença arbitral é prevista na Lei de Arbitragem, mais precisamente no art. 33, podendo ser consideradas nulas apenas quando verificadas as hipóteses previstas no art. 32, cumuladas com a ausência dos requisitos previstos no art. 26.

Ora, se há previsão legal do escrutínio judicial de sentenças arbitrais, estamos diante de um aumento natural, que reflete apenas o inconformismo das partes, somado a uma cultura de judicialização de demandas que se encontra enraizada em nossa sociedade.

Por outro ponto de vista, o aumento de revisão de sentenças arbitrais pelo Judiciário apenas reflete a crescente adesão ao procedimento alternativo de solução de conflitos, o que denota um fortalecimento da arbitragem no Brasil.

E, ainda, devemos levar em consideração que muitas destas decisões judiciais que anularam sentenças arbitrais versaram sobre víci0s existentes nas cláusulas compromissórias, que embora não tenham modelos ou formas consideradas corretas, devem conter todos os elementos essenciais para sua validade. Daí a importância de uma boa redação que atenda a todos os requisitos formais exigidos pela lei.

Então pode-se afirmar que a cláusula compromissória é uma realidade no Brasil, e que aponta para um futuro promissor.

A arbitragem brasileira passou a ter grande prestígio internacional quando da ratificação da Convenção de Nova York (em 2002), que trata do reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira, e após a declaração de constitucionalidade dos sentenças de arbitragem pelo STF em 2001.4

Até o ano de 2020, o Brasil estava classificado como o terceiro país do mundo com maior número de procedimentos arbitrais administrados pelo Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio internacional (ICC)5 .

Hoje, grandes institutos de arbitragem atuam no Brasil, o que comprova a solidificação da arbitragem em nosso país, dentro dos quais se destacam: a Câmara de Comércio Internacional (ICC); a Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC); Centro de Arbitragem da Câmara Americana de São Paulo (AMCHAM); The Fundação Getúlio Vargas Chamber of Conciliation and Arbitration (Câmara da FGV) e a Câmara de Arbitragem do Mercado (o CAM BOVESPA).

Eis que temos uma boa alternativa para solução de (muitos) conflitos que podem (e devem) ser solucionados pela autotutela privada de forma mais rápida, com menor custo para os particulares e para o Estado, de forma segura e lícita.

E o Brasil já sabe disso!

  1. Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824.
  2. Empresa de pesquisas com a temática de arbitragem: https://www.arbipedia.com/
  3. Fonte: https://www.conjur.com.br/2021-jul-20/19-sentencas-arbitrais-questionadas-judiciario-sao-anuladas – por Sério Rondas, Revista Consultor Jurídico, 20 de julho de 2021, 15h46.
  4. STF – SE – AgR: 5206 EP, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data do Julgamento: 12/12/2001, Tribunal Pleno, Dara de Publicação: DJ 30-04-2004 PP-0029 EMENT VOL-02149-06 PP-00958.
  5. Fonte: https://www.international-arbitration-attorney.com/pt/arbitration-in-brazil-2/#_ftn1
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