Com o grande avanço tecnológico aliado ao crescimento do trabalho remoto, natural que grande parte das diretrizes e tratativas de trabalho passassem a ser discutidas não apenas em reuniões presenciais e e-mails, mas também em mensagens por aplicativo, de forma mais direta e rápida. Processos seletivos e contratações começaram a se firmar por Whatsapp, organizações de equipe se formaram em grupos dentro do aplicativo e, consequentemente, demissões também passaram a ocorrer pela ferramenta.
Em maio deste ano, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região considerou válida a dispensa de uma funcionária de uma escola infantil realizada através do Whatsapp, justificando que: “vez que seu uso passou a ser obrigatório e plenamente válido no âmbito das relações de emprego” (Processo 1001180-76.2020.5.02.0608).
Contudo, também em maio, o Tribunal Superior do Trabalho manteve o direito a uma indenização de R$ 5.000,00 a uma empregada doméstica, por ter sido demitida através do aplicativo. A mensagem continha os seguintes dizeres: “Bom dia, você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos”. Em sua reclamação trabalhista, a doméstica informou que sentiu ofensa à sua honra e dignidade, o que foi reconhecido pelo juízo de 1ª instância.
O ex-patrão recorreu da decisão, argumentando que utilizou “um meio de comunicação atual, moderno, para comunicar à empregada que ela estava sendo dispensada”, também se baseando no fato da ausência de previsão legal sobre a ilegalidade da demissão nesta modalidade. A indenização foi mantida pelo Tribunal em 2ª instância, que indicou como ponto–chave o conteúdo da mensagem, e não o meio utilizado para seu envio, ressaltando a falta de cordialidade e consideração empregadas no texto. Segundo a relatora, “para que se pudesse concluir nesta corte superior se foi ofensivo ou não o conteúdo da mensagem da dispensa precisaríamos saber do contexto da mensagem, e não apenas do texto da mensagem. O contexto é que dá sentido ao texto”. (Processo AIRR-10405-64.2017.5.15.0032)
A demissão narrada ocorreu em 2016, anos antes da pandemia, sendo que a decisão de última instância foi proferida este ano. Tendo em vista o já mencionado crescimento exponencial de uso do Whastapp como ferramenta de trabalho, pode-se entender que o caso em tela funcione como um precedente para questionar as outras demissões realizadas da mesma forma – ou, a meu ver, como um alerta para como estas demissões deverão ser realizadas pelos empregadores.
Entendo que, assim como a grande maioria das relações precisaram se reinventar durante o período de pandemia (ressalto aqui a realização de audiências, consultas médicas e aulas por videoconferência), a forma de trabalho também se modernizou. Assim como a contratação à distância é considerada válida, entendo também ser o desligamento. Contudo, sempre prezando pela boa educação e respeitando a dignidade do funcionário – comportamento básico em qualquer relação de emprego.
Importante ressaltar que a demissão não deve ocorrer em grupos onde haja vários funcionários, para não causar constrangimento ao empregado. Caso seja possível, que seja dada preferência a uma chamada de vídeo, para que o desligamento se torne menos impessoal.
Ainda, é de suma importância que, no prosseguimento do desligamento via texto, todos os detalhes da rescisão sejam informados de forma clara ao empregado – tais como a modalidade do aviso prévio, datas de pagamento de verbas em aberto etc. O empregado precisa estar ciente dos termos e responder à mensagem, para que não haja chances de a demissão ser tida como inválida.
Claro que, como em toda relação humana, a preferência é de que todas as tratativas, quando possíveis, ocorram de forma presencial. Contudo, em tempos modernos e tão incertos, marcados por perdas e inseguranças, precisamos estar abertos às mudanças, adaptáveis às situações e mais cuidadosos do que nunca!
Advogada Sócia da Advocacia Hamilton de Oliveira, é inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB/SP).
Formada pela Faculdades de Campinas (FACAMP), pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e pós-graduanda em Compliance e Integridade Corporativa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sua prática tem sido dedicada à área do Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.